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A gente muda quando a gente muda
O que vivemos em nosso passado, em nossa infância ou na juventude, ou mesmo no início da vida adulta e que nos machucou, pode criar medo consciente ou inconsciente de que as perdas ou machucados venham a acontecer de novo. Isto, este medo, pode nos levar a ter reações meio impulsivas ou automáticas no relacionamento com as pessoas. Sabe aquele ditado popular que diz que gato escaldado tem medo de água fria? O que isto quer dizer? Entendo que quer dizer que o bichinho que sofreu com água quente, corre da água mesmo que ela esteja fria.
O que nos fez sofrer no passado pode causar em nossa mente um tipo de reação precipitada, de maneira que, diante de algo no presente que parece que irá produzir a mesma dor que vivemos antigamente, reagimos, por defesa da dor, que achamos que virá, quando, na realidade, é “água fria”, e não “água escaldante” que nos machucou no passado. A pessoa não quis lhe perturbar, mas você interpretou que sim.
Isto pode ocorrer no trabalho, no casamento, entre amigos, na comunidade religiosa, etc. Alguém faz algo que tem semelhança externa com o que ocorreu no seu passado e que doeu, e você reage com esta pessoa de uma forma ruim, agressivamente, ou retirando-se friamente, etc. Como evitar ter estas emoções ruins de novo?
Primeiro aceite a impotência diante do fato que ocorreu no passado. Podemos ficar reagindo negativamente o tempo todo no presente porque podemos não ter aceito o fato do passado que pode ter sido realmente doloroso. Aceitar significa olhar para o que ocorreu, reconhecer o que ele produziu em nós, sentir a dor que foi produzida, expressá-la adequadamente e, finalmente, deixá-la ir embora, e não mais ficar concentrada nela. Se mais adiante começarmos a ter de novo pensamentos ruins quanto a este evento do passado, devemos, então, dizer a nós mesmos: “Já pensei sobre isto, já chorei por causa disto, já sofri e agora não preciso mais deixar minha mente ficar concentrada nisto e me afundar. Recuso me concentrar nisto outra vez. Agora vou pensar em outra coisa.” Treine isto em sua consciência. Você pode escolher o que irá pensar e no que se concentrar.
Reflita e considere que, devido às perdas do passado, é possível ficar muito sensível ao que pode ocorrer no presente, e super-reagir quando algo “cheira” à rejeição, dor ou desconforto. Às vezes, talvez mais do que desejamos, reagimos no presente aos fantasmas do passado e isto nos faz sofrer sem necessidade. Então, quando conseguimos deixar este passado dolorido para trás e aceitamos melhor as perdas, podemos ficar livres destes fantasmas e viver com mais alívio. Isto é um processo, não algo que necessariamente se resolve em um dia, com apenas uma consulta psicológica, tomando uma pílula ou só com uma oração.
Você está no processo de melhora quando percebe que o pensamento que gera sentimento de dor retorna em sua consciência e você escolhe não mais se deixar levar por ele. E decide pensar no que é positivo, saudável, perdoador, misericordioso, alegre para si mesmo e para as pessoas envolvidas. Este trabalho mental é o que realmente poderá mudar seu sofrimento, e não (somente) tomar medicamentos sem praticar isto com perseverança. A gente muda quando a gente muda.

Cesar Vasconcellos de Souza
Saúde Mental e Você
O psiquiatra César Vasconcellos assina a coluna Saúde Mental e Você, publicada às quintas, dedicada a apresentar esclarecimentos sobre determinadas questões da saúde psíquica e sua relação no convívio entre outro indivíduos.
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