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A dor não termina quando os bombeiros vão embora
quarta-feira, 20 de agosto de 2014
Podemos sofrer traumas emocionais tão dolorosos para nós que, tempos depois, muito tempo mesmo, podemos ainda sentir certas reações que nos causam pânico ou tristeza ou vergonha. Precisamos cuidar disso, de nós mesmos. Buscar a recuperação emocional. Isto significa aprender como fazer ou o que fazer para parar de doer.
É importante nesse processo de recuperação pararmos de negar que há o problema. Há um problema que nos aflige e ele pode ter origem no passado ou no presente. Pode ter ligações com machucados afetivos ocorridos em nossa infância ou na vida adulta. Pode ter sido originado em abusos verbais, físicos, quando éramos crianças. Pode ter surgido quando alguém que amávamos nos abandonou na vida adulta. Abandono no sentido de a pessoa amada ter ido embora por causa de outra pessoa (ou não) ou ter permanecido, mas agindo com frieza, indiferença, provocando o que chamamos de solidão à dois. Pode ter origem em traumas sociais, como tragédias, assalto, sequestro, etc.
Quando paramos de negar o problema e começamos a encará-lo de frente, vamos nos fortalecendo, mesmo ocorrendo recaídas. Não importa. A mudança, a recuperação emocional, que é um processo, está em andamento. Vamos amar a nós mesmos pelo que já conseguimos.
Ninguém está pronto quanto a ser maduro. Crescimento emocional é um processo. Sempre haverá algo mais a ser melhorado.
Quando vivemos experiências dolorosas na infância ou na vida adulta, as dores emocionais não desaparecem necessariamente de modo fácil. Cicatrizes vivas podem permanecer na mente e emitir sintomas aqui e ali em nossas vidas, as quais podem ser tristeza, angústia, medo, vergonha, irritabilidade fácil, agressividade, sintomas no corpo, etc.
Os bombeiros podem ter ido embora (as causas reais provocadoras da dor emocional podem ter passado) mas ficam as consequências, fica uma espécie de incêndio na alma, na mente. Daí a necessidade de buscarmos uma recuperação. Apagar o fogo que causa a dor.
Recuperar é parar de negar. A dor existe. Temos que aceitá-la. Temos que não mais tapá-la com subterfúgios (trabalho em excesso, drogas, álcool, controle as pessoas, comer, jogar, comprar, praticar sexo compulsivamente, etc.). Precisaremos atravessar a dor. Passar pelo vale da sombra da morte. Isto é duro. É um renascimento. Agir diferente. Não reagir. Mas agir em prol de você, para cuidar de você. Sentir seu sentimento, expressá-lo adequadamente para as pessoas certas.
Há pessoas perto de você que não poderão compreender sua dor e seus passos para a recuperação. Não importa. Não volte atrás. Resista às possíveis críticas. Às vezes as pessoas mais difíceis para nos ajudar são nossos familiares.
Recaídas poderão ocorrer. Sensações de que você não irá conseguir surgirão. Mas isto é normal na recuperação. Espere um pouco. Tenha paciência. Trabalhe mais leve nos dias mais difíceis. Descanse mais nestes dias. Busque mais Deus. Medite. Ore. Partilhe sua dor, seu medo com a pessoa idônea e empática. A dor vai passar. O medo também. Não tenha medo do medo.
Algumas marcas ou lembranças demoram a diminuir a intensidade e frequência em nossa mente. O trauma não terminou, mesmo que os bombeiros já tenham ido embora.
O que fica é o fantasma, que parece real. Mas você é maior que os fantasmas emocionais. Eles não são você! E poderá superá-los se compartilhar os medos, angústias e dores com a pessoa certa e com o Deus certo. O que é bom passa, mas o que é ruim também passa. Isso também vai passar.
Cesar Vasconcellos de Souza
Saúde Mental e Você
O psiquiatra César Vasconcellos assina a coluna Saúde Mental e Você, publicada às quintas, dedicada a apresentar esclarecimentos sobre determinadas questões da saúde psíquica e sua relação no convívio entre outro indivíduos.
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