Colunas
Xadrez
O carnaval em 40 e 50 no Clube do Xadrez era a maior empolgação. Não existia nada igual. O chão tremia com o povo pulando sem parar e cantando tudo o que a orquestra tocava. As serpentinas eram lançadas de ponta a ponta do salão. Os confetes eram jogados nos corpos suados e o lança-perfume rolava solto, naquele tempo podia. Quando a orquestra atacava "Mamãe eu quero”, a poeira subia e ninguém ficava nas mesas. Às seis horas da manhã, orquestra, sócios, convidados e turistas cantavam pelas avenidas levando todos para a Leopoldina, onde a "Maria fumaça” os levaria de volta ao Rio. Era uma prova insofismável da cortesia dos friburguenses, que sabiam como ninguém receber seus turistas, que ficavam encantados com a amabilidade dos anfitriões.
Certa vez, cansado de grupos de pagode, funk, axé, sertanejos universitários e outras baboseiras, liguei a tv a cabo e o que escuto? "Mamãe eu quero” num canal da Itália. Era um grande auditório e todos cantavam num animado portunhol a marchinha famosa dos nossos carnavais. Eles suingavam a la Carmem Miranda, jogando bracinhos para um lado e para o outro. "Mamãe eu quero, mamãe eu quero mamá...” Como no Xadrez, as serpentinas voavam no grande auditório e num letreiro digital apareciam as frases: Pelé, Brasil, Carnaval, Café. Era o programa Studio Uno da TV italiana e eu não conseguia mudar de estação. Em seguida eles atacam de "Aquarela do Brasil”, com todos cantarolando a melodia sem saber a letra. O mapa do Brasil era destaque em 200m e a composição de Ary Barroso era executada em todo o seu esplendor. Senti ainda mais orgulho de ser mais brasileiro naquele momento. Voltei no tempo, quando o mestre Ary Barroso era meu ídolo e eu sabia de cor as suas músicas. Compunha letra e música ao piano, animava um programa de calouros, irradiava partidas de futebol torcendo loucamente pelo seu Flamengo e, na hora do gol, sacava a sua gaitinha.
Não existia ninguém mais criativo. Mais tarde ainda militou na política como vereador, se desencantou, largou tudo e voltou para o seu porto seguro. E como bom conhecedor dos prazeres da vida, adorava um bom uisque e um vinho encorpado. Veja como são as coisas, comecei lá no Xadrez em 40 e 50 e aqui estou, com o mestre Ary Barroso na Itália. A Aquarela do Brasil é praticamente um segundo Hino Nacional e devia ser executada nos estádios. Salve grande Ary Barroso, o maior de todos. E pra acabar, em 48 eu tinha dezoito anos e pulava no Xadrez fantasiado de havaiana. Tudo podia e nada envergonhava. Hoje, olhando uma foto, confesso que fico ruborizado. A vida ensina, ou, você ensina a vida. Sei lá. Tô maluco e duro.

Jorginho Abicalil
Recado de Jorginho Abicalil
Como era Friburgo antigamente? O que o tempo fez mudar? O que não mudou em nada? Essas e outras questões são abordadas, aos fins de semana, na coluna “Recado de Jorginho Abicalil”, onde o cronista relata a Nova Friburgo de outros carnavais.
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