Esperança

sábado, 10 de janeiro de 2015

Nunca soube explicar que sentimentos tão profundos invadiam a minha alma e o meu coração toda vez que pisava na Rua Baronesa pra ver os treinos do Esperança. A começar pelo adeus que era presenteado pela família do Tenente Menezes, todos na janela, sorridentes e com as maõs esticadas me saudavam. Sentia que era querido e nada mais me passava pela cabeça. O bem-estar aumentava vendo o Rainha, já uniformizado, fazendo embaixadas e indo em direção ao campo. Pauloca, com o seu sorriso educado, perguntava a Wilma "o que era aquilo”, e ela respondia, "ele é rainha e pode tudo”. A caminhada prosseguia e por descuido entrava na casa do Oto Spinelli, pois eu estava habituado a ir lá pra assistir televisão, com sua esposa nos servindo salgadinhos e cerveja gelada. Dava uma volta e entrava no segundo portão do clube. Lá eu ficava extasiado vendo os meus ídolos treinando e contrariando a máxima do Didi: pra eles treino é jogo, e é assim que a bola rolava. Quem mais me emocionava era o Cleo, pelas esquerdas, defendendo e atacando, brincando com as duas pernas e cabeceando para colocar o Rainha na marca do penalty e, num biquinho, mandar a bola no fundo das redes. Jogava o Jaú, um negro lindo. Já naquela época eu vivia sem preconceitos e mais tarde convivi com músicos, maestros e cantores, cujo suingue era notável e eles demonstravam todo valor em sua arte. O pretinho dava um toque de sensibilidade no futebol-força e no futebol-arte. Paulinho, Zé Pretinho, Agnaldo e Carlinhos, o toque de classe. A vida não foi legal com o grande craque. Foi pro São Cristóvão, teve seus 15 minutos de fama e voltou às origens. Não aguentou o ostracismo e se entregou de vez. 

A vida não devia maltratar quem nasceu pra presentear o público com jogadas inesquecíveis, como fazia o Carlinhos. Cigano e Xilo me chamavam a atenção pelo jogo duro, não brincavam em serviço. Após o treino, Xilo partia na sua Harley e mais parecia o James Dean nas suas cenas de cinema.. Fui vivendo nessa ambiguidade toda minha puberdade, amando o Friburgo de coração e deixando a paixão pelo Esperança tomar conta de mim. Ficava louco ao ver o Amâncio pela meia esquerda driblar dois e meter a bola lá onde a coruja dorme. O destino tirou o craque de campo, que foi acudir os pobres com seus instrumentos médicos, os mesmos que lhe tiraram a vida. Após o treino, em cinco minutos estava em casa e todos ouviam a rádio enquanto jantavam. Na verdade, depois destes jogos, dormir era o grande problema. As lembranças do Esperança continuavam rondando meus pensamentos. O maria fumaça saia da Leopoldina às 6h da manhã indo pra Niterói, e era hora de acordar. Somente uma esperança pousando na minha janela conseguia me tirar da ambiguidade Friburgo x Esperança. Eles eram abençoados e faziam vibrar corações esmeraldinos espalhados por toda Fribugo. O esperança foi a grande memória do nosso povo.

P.S. Querida Iris, agradeço seus elogios sobre a crônica dos Mastrangelo. Foi escrito com o coração. Um beijo nas três.

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Jorginho Abicalil

Jorginho Abicalil

Recado de Jorginho Abicalil

Como era Friburgo antigamente? O que o tempo fez mudar? O que não mudou em nada? Essas e outras questões são abordadas, aos fins de semana, na coluna “Recado de Jorginho Abicalil”, onde o cronista relata a Nova Friburgo de outros carnavais.

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