Uma viagem à Índia

domingo, 31 de maio de 2015

Para introduzir a poesia nesse espaço, começo por versos que contam uma história: por uma narrativa de viagem que é, ao meu ver, uma obra-prima contemporânea.

Uma viagem à Índia, de Gonçalo M. Tavares, é uma epopeia pós-moderna, com um anti-herói muito sedutor. Digo anti-herói porque Bloom, personagem principal da narrativa, não está em busca da conquista de impérios. Não vai matar dragões, salvar a donzela indefesa ou tirar a pátria da fome. Bloom vai à Índia em busca de respostas para si mesmo. Seu objetivo é egoísta – e não será o de todos? A ironia e a descrença perpassam toda a narrativa, como perpassam também os nossos “tempos modernos”. Gonçalo desperta no leitor as perguntas mais incômodas e, por isso mesmo, talvez as mais verdadeiras. 

O livro é dividido em dez Cantos, em diálogo claro com Os Lusíadas, de Camões. Mas, ao contrário de Vasco da Gama, o Cabo das Tormentas que Bloom irá ultrapassar não é senão ele mesmo. Logo no primeiro Canto, o narrador declara:

“Falaremos da hostilidade que Bloom,
o nosso herói,
revelou em relação ao passado,
levantando-se e partindo de Lisboa
numa viagem à Índia, em que procurou sabedoria
e esquecimento.
E falaremos do modo como na viagem
levou um segredo e o trouxe, depois, intacto.”

Eduardo Lourenço abre o livro com um belo prefácio, em que diz que, para nós, “todas as viagens são viagens à Índia”. Isso porque, ocidentais, somos herdeiros de uma sociedade que buscou o Oriente incessantemente, e porque, em nosso imaginário, nenhum lugar parece ser mais enigmático e mágico que a Índia.

O que mais importa em qualquer viagem é o seu destino, isso é o que geralmente pensamos, mas o que muitas vezes descobrimos é a relevância do percurso. Bloom não faz um voo sem escalas para a Índia, precisa de tempo, mesmo porque “à Índia não se chega, meu caro, na Índia, caminha-se”.

Convido-os, pois, a caminhar pelos versos de Gonçalo M. Tavares e encontrar a sabedoria na dúvida e a experiência no esquecimento.

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Uma viagem à Índia
Gonçalo M. Tavares
São Paulo: Leya, 2010.

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