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Vai dar tempo
Vai dar tempo. E vai dar certo. Essas frases têm sido proferidas de forma constante nos últimos anos. Ou melhor, vem sendo mentalmente repetidas como um mantra sem que sejam. Essa sensação de tempo corrido não é privilégio meu. Há muitas pessoas aprendendo a lidar com ele. Como eu não gosto de vibrar na frequência da escassez, estou adaptada a entender o tempo como fonte abundante que deve ser bem administrada, posto ser finita.
É interessante aprender a lidar com algo que não podemos controlar por mais que nos preparemos. É impossível fazer o relógio parar. Não podemos alterar um calendário, voltar o tempo, pular uns dias. O tempo é o que é e não o que gostaríamos que fosse.
Já houve épocas em que sentia ter tempo para fazer tudo o que quisesse ou não fazer nada. Raridade. Percebi que o volume de afazeres realmente brota de uma fonte aparentemente inesgotável. Entendi aos poucos que uma das grandes habilidades que podemos desenvolver ao longo da vida é justamente saber reger nosso tempo, administrar nossas demandas dentro das possibilidades e, de preferência, conseguindo aliar o equilíbrio necessário para uma boa qualidade de vida.
Hoje em dia, na minha escala de valores e na de muitos, sem sombra de dúvidas, ter tempo ocupa um dos espaços do topo. É realmente um tesouro. Contudo, não consigo me adaptar ao ócio, sou daquelas pessoas que sentem a vida pulsando em meio às mil tarefas a executar, embora seja uma voraz apreciadora do tempo livre, da contemplação, do silêncio e dos minutos em contato com a natureza e com a família.
O ponto é, ter tempo livre apenas pode não ser suficiente para que consigamos efetivamente desfrutar dele. É preciso ter a mente sã, as contas pagas, saúde e liberdade. E mais um monte de coisas.
Considerando-se que o tempo está escasso - e está - e os compromissos e prazos são constantes, como conciliar a impossibilidade de pausar os minutos e a necessidade de cumprir todas as atribuições em tempo? Há quem apele para o pensamento positivo. Primeiro assume a missão e depois se encarrega de pensar como e quando será executada. E assim, o "vai dar tudo certo" entra como um incremento.
É deveras verdade que não raras vezes o otimismo e a disposição salvam. Mas também é uma premissa o fato de que não consideram uma gripe pelo meio do caminho, o torcicolo inesperado, o dia triste, a enxaqueca, a indisposição e nem a reunião fora da hora. E então acende o alerta; um letreiro luminoso mental se esforça para brilhar em cor neon enfatizando que há muito a considerar quando o volume de tarefas conta com todo o nosso potencial para sua realização.
Ninguém funciona em potência máxima o tempo todo. O planejado não se perfaz sempre. Eis o perigo desse inconsequente "vai dar certo", o qual realmente precisa ser muito bem temperado para que os pratos que tanto nos esforçamos para manter rodando nas pontas dos dedos não se desequilibrem todos de uma vez. E aí, pode ser que nem todo tempo do mundo se encarregue de juntar os cacos.
Paula Farsoun
Com a palavra...
Paula é uma jovem friburguense, advogada, escritora e apaixonada desde sempre pela arte de escrever e o mundo dos livros. Ama família, flores e café e tem um olhar otimista voltado para o ser humano e suas relações, prerrogativas e experiências.
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