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Essa mulher
Muito se tem falado sobre o empoderamento feminino. Particularmente, bato palmas sempre que me deparo com o raciocínio bem construído de quem percebeu que nós, mulheres, temos e somos a força, o poder e a vida. Temos e somos a resistência e a resiliência. Rendo-me à salva de palmas. Mas solto fogos mentalmente quando percebo que o ser que habita esse corpo feminino é essa mulher para além de todo o discurso. Essa que vive a tentar equilibrar os muitos pratos da vida em suas duas mãos femininas.
Dedico essas singelas e humildes palavras a cada uma de nós que ainda que não conheça a força que detém, é capaz de transmutar tudo com um sorriso, de fazer sarar a dor do filho só ao encostar as mãos, que pode gritar por meio de um olhar, que tem intuição aflorada, coração saltando pela boca. Que sofre a pressão social desde o dia que nasce ao dia que se despede. Que teme pela solidão, que briga pela independência financeira, que tenta se fazer entender sem a força física como escudo, que anda atenta pelas ruas, que controla o medo de ser violentada, que tem um relógio biológico que usado socialmente contra ela, que deve provar que é capaz, que finge que não sente dor, controla a “TPM”, engole o choro. Essa mulher que não pode borrar a maquiagem, que “gasta o dinheiro todo”, “que tem o coração mole” e dificuldade de dizer “não”.
Essa mulher que batalha para conquistar seu espaço na sociedade, e que ainda é cobrada por saber cozinhar. E bem. Que lutou para poder trabalhar e continua batalhando dia e noite para se inserir no mercado, manter-se nele e ainda por cima, ser feliz. Que ouviu dizer que “mulher mal amada dá problema”, “que não existe mulher feia, existe mulher pobre”, que “mulher é bicho problemático”, “que age com o coração e não com a razão”, “ que é igual carro, quanto menos rodado melhor”. Coisa de mulherzinha. Essa mesma, que “tem que andar sempre cheirosa” que “volta e meia dá piti”.
Essa mulher que é prejulgada quando a casa está bagunçada. Que é criticada quando o marido não anda com as roupas bem passadas, “ como se não tivesse mulher que presta em casa”. Que tem que andar de rosa e fazer coisas de menininha. Essa mesma, que é xingada no trânsito e constantemente é vítima de piadas e ofensas enquanto com prudência dirige. A que deve andar com as unhas feitas, para não ser taxada de desleixada. Que precisa ser magra. Precisa ser bonita. Precisa seguir o padrão. E precisa ser bem formada, bem comportada. Precisa estar antenada. A “fresca que não gosta de cama desarrumada”, que reclama que não tem ajuda em casa, que é alvo de cantada.
Refiro-me a essa mulher que “é mais macho que muito homem”, “que engrossa a voz para impor respeito” e que “abre mão da família pelo emprego”. Essa que sofre do machismo estrutural de todos os tempos, que é demitida após a licença-maternidade, que vira estorvo por ser mãe e quando não o é, não presta também. Essa mulher de hoje, que rechaça tudo isso, que transcende a tudo isso. Que é grande de dentro para fora. Que é corajosa, que mostra a que veio, que resiste a uma sociedade patriarcal umbilicalmente machista, que constrói caminhos, que ensina pelo amor, que impõe respeito, que faz a diferença . E que por assim existir, já é a vida pulsante do poder transformador inesgotável e incomparável. Feminino.
Paula Farsoun
Com a palavra...
Paula é uma jovem friburguense, advogada, escritora e apaixonada desde sempre pela arte de escrever e o mundo dos livros. Ama família, flores e café e tem um olhar otimista voltado para o ser humano e suas relações, prerrogativas e experiências.
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