O silêncio do cemitério de pessoas vivas

sábado, 13 de julho de 2019

Paz só me serve se for para trazer e manter semblante leve, próprio dos que sorriem com as covinhas do rosto, sem necessariamente ter que exibir os dentes. Paz é leveza. Paz é viver a vida abundantemente. Não de coisas materiais que nos pesam os ombros, enchem os bolsos e deixa vazio o coração. Mas abundância no prazer de caminhar com os braços soltos e a mente disposta a aprendizados. Livre de preconceitos. Aberta à escuta. Talvez paz tenha muita proximidade com liberdade. Talvez paz e liberdade sejam tão próximas que sejam uma só. Não há, de fato, como serem contraditórias.    

E, em nome da liberdade tantos morrem... Mas o quanto vivem? Em tempos de ter razão, não ter certezas é uma dádiva. Beira a divindade o desleixo em refutar provar o que se sabe. O único convencimento que devemos ter é que a vida está aí para ser vivida e só será vívida se nos abençoarmos de paz. Dessa paz livre em querer ser apenas paz. Sem invenções, adereços, penduricalhos e vocábulos. Íntima da simplicidade. Dessas coisas de olhar, se perceber, se pertencer...       

Está cheio de gente por aí caçando paz. Muitas, buscam mais nos cemitérios do que na festa das horas. Paz dos surdos e mudos... Parece com silêncio do cemitério de pessoas vivas. Nada contra o silêncio. Ouvir o silêncio é uma pratica fundamental nesse mundo de ansiedades. Mas falo desse silêncio depressivo que adoece o peito e leva a alma. Desse silêncio estrondoso das grandes capitais ou dos pequenos quintais com hipocrisia abarrotando seus varais. Há mais covas e gente enterrada fora dos cemitérios do que nos próprios cemitérios. Vivos mortos.

Não! Não quero a paz dos cemitérios, tampouco o silêncio dos cemitérios de pessoas vivas. Chega de vagar. A paz pede sentido e sentido clama por sentimento, junção de bons afetos. Coletividade. Necessidade uns dos outros para os outros. Ausência de indiferença.

Paz festeira é para quem fala e ouve, curte e se compromete. Podem ser rascunhos de uma mesa de bar, de uma insônia de noite de verão. A mesa de bar sempre traz ótimas versões da vida, ainda mais quando frequentadas por amigos interessantes. Insônias geram conversas com os travesseiros e anotações no bloco que podem não ter conjunção alguma. Mas ambas explicam tanto ao renunciar qualquer objetivo de explicar. A vida e tudo o que na vida se faz tem que trazer paz. Paz festeira. Paz viva! Paz de leveza.

O mundo não pode ser um enorme cemitério de pessoas vivas. A paz não pode ser dos cemitérios. A paz pede vida e vida em abundância. Se paz e liberdade caminham juntas, o seu destino só pode ser a felicidade.     

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Palavreando

Aos sábados, no Caderno Z, o jornalista Wanderson Nogueira explora a sua verve literária na coluna "Palavreando", onde fala de sentimentos e analisa o espírito e o comportamento humano.

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