O amor como troco

sábado, 24 de agosto de 2019

São Francisco já dizia há muito tempo: “Onde houver ódio, que eu leve o amor. Onde houver ofensa, que eu leve o perdão. Onde houver discórdia, que eu leve a união”. A belíssima oração é até canção. Mas muitos cantam sem senti-la, muitos fazem dela sua reza, mas nem ao menos tentam praticá-la. Aí, de nada vale sua beleza. Palavras ao vento. Tampouco se aprende com ela quando apenas a boca profere, mas o ouvido não ouve e o coração não sente.

Sentido. O sentido da vida é viver em coletividade. Compartilhar desse tempo e espaço com respeito e abundância. É tão simples que fica até difícil compreender porque se complica tanto: a vida é pra se viver e buscar ser feliz em comunhão. Vivemos tempos de depressão. De vitória do mal sobre o bem. De celebração da morte e morte em vida. São dias de ausência de diálogo, porque as pessoas estão apaixonadas por si mesmas e não recuam de seus discursos que atiram balas que matam. Querem ter razão. Minha razão – eu quero – que seja o amor. O amor vai ser meu troco! Sei que não é fácil e é quase santo oferecer a outra face. Mas vou ser bobo se acharem que ser bobo é não revidar na mesma moeda. Podem me taxar de ingênuo se para destroçar uma mentira eu apenas tenha que ficar na minha.  

A verdade é que por mais que o homem invente processos industriais, bytes, chips e inteligência artificial, ainda é o mesmo de seus mais rústicos ancestrais. A história se repete, porque o egoísmo humano é primário e aparentemente imutável. A felicidade alheia desagrada, a discordância com modos de vida é uma forma cruel de se viver. Porque não se vive quando se vive a vida do outro. Mas essa é a desinteressante escolha feita por muita gente. Cada vez mais escolhida por gente que assassina São Francisco de Assis e crucifica Jesus em seu próprio nome. Falsos profetas clamam em nome de Deus, quando Cristo nunca teve grandes problemas com pecadores, mas penou com religiosos... A moral não tem dono, mas muitos se possuem da falsa ética em nome de suas supremas verdades - para os outros, é claro.

Estou decidido: o amor vai ser meu troco. Pra essa gente babaca que se veste de bacana. Pra essa turma que quer arma para atirar no próprio pé. O amor vai ser meu troco pra todos esses que se bradam proprietários do mundo. Pra esses tolos que se presenteiam de pasto e matam o futuro. O amor vai ser meu troco. Pra esses justiceiros que condenam com facilidade os demais, mas não se avaliam. O amor vai ser meu troco, recuso da presunção de ensinar alguém, apenas com o objetivo de aprender mais e me fazer mais humano. É! Me deu cem bordoadas, vou devolver oitenta e nove abraços, mais uns dez afagos pra ver se amolece o coração duro de quem só enxerga o próprio umbigo. O amor vai ser meu troco, porque quero e preciso coexistir.

TAGS:

Palavreando

Aos sábados, no Caderno Z, o jornalista Wanderson Nogueira explora a sua verve literária na coluna "Palavreando", onde fala de sentimentos e analisa o espírito e o comportamento humano.

A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.