Colunas
Mapas
Minha rua é extensa e se estende para onde os meus olhos não podem ver. Minha rua não termina onde começa o horizonte, mas por mais que eu me esforce, não consigo alcançar o seu fim. Finita em si mesmo, interminável em minhas suposições particulares.
Cheia de esquinas e becos, cada paralelepípedo seu guarda uma história, conta um segredo, esconde um mistério. E assim devem ser todas as ruas, mesmo aquelas menores e as que sequer têm paralelepípedos.
Essas ruas se encontram com outras, suas esquinas se entrelaçam e formam grandes avenidas, bairros e cidades. Os mapas são pressupostos daquilo que se pode ver de forma muito amplificada, mas esta forma que mostra a totalidade não consegue fazer perceber o mínimo, o sentimento de cada um. Não mostram as histórias, não desvendam a canção por detrás da música, não ouvem a poesia oculta no grito do vendedor da banca da praça, nem o desespero que esconde o ecoar de cada sirene. Silenciam os barulhos, atormentam o silêncio.
Os mapas minimizam a grandeza que é cada olhar e por mais que orientem, não garantem que você vai se encontrar. O mundo é grande e não há dias suficientes para se conhecer todas as ruas que o fazem ser mundo. Talvez se nos concentrássemos apenas no atlas dos olhos que nos apaixonam...
Há alguns que deixam a rua se levar sob seus pés; há outros que se escondem nas multidões das ruas para que as ruas não o percebam e ainda há aqueles que olham para o final da rua, sabendo que nunca poderão alcançá-lo e na ânsia de entender acabam se esquecendo da magnitude que é o começo da rua, o meio da rua. E todos se confundem...
Um coração é como uma cidade. Carrega em si uma parte do mundo a fim de ser parte do universo. Cada veia sua é uma rua que se encontra com outras ruas. Algumas esquinas se desdobram para dentro, outras conseguem a proeza de se curvar para fora, mas todas, de uma maneira ou de outra, se encontram. Nem sempre revelam suas histórias, o que faz o diálogo ser um tanto truncado e até pouco entendível. Mas é da natureza do coração nem sempre revelar-se por inteiro, nem mesmo para seus donos.
É esse oculto que faz a vida parecer tão sobrenatural, cheia de enigmas, mistérios, curiosidade e vontade em alcançar o que nem sabe se de fato existe.
Finito em si mesmo, eterno em suas pretensões de imortalidade. E o sonho do coração é se estender para além do horizonte e quem sabe enxergar num outro coração o mundo dentro do universo, ainda que não se possa ver. Cria viadutos para se interligar com outros corações, abre túneis para alcançar com maior rapidez outras vias que o levem a outras cidades, mas nem sempre a velocidade ajuda, ainda que o tempo esteja sempre se esgotando, nunca se multiplicando.
Já não sei se caminho pela rua certa, no momento certo, mas recuso os mapas e sigo meu instinto. O fim não me interessa já que só posso me esbaldar no meio. Tenho tantos paralelos para desvendar que não sei se tenho caderno para guardar tantas histórias, se tenho tantas chaves para preservar tantos segredos. Desejo chegar ao fim desta rua para poder encontrar com outras, mas enquanto essa rua me satisfaz não vejo porque trocar de cidade. E assim carrego parte do mundo, pois sou partícula do universo.
Os mapas não me desenham, como não descrevem muitas ruas e cidades, mas afinal, se nem as cidades conhecem todas as suas ruas, como pedir para que o universo registre cada coração? Se nos concentrássemos apenas no atlas dos olhos que nos apaixonam...
Palavreando
Aos sábados, no Caderno Z, o jornalista Wanderson Nogueira explora a sua verve literária na coluna "Palavreando", onde fala de sentimentos e analisa o espírito e o comportamento humano.
A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.
Deixe o seu comentário