Escova de dente

sábado, 28 de setembro de 2019

Nada mais íntimo do que escova de dente. Uma escova na casa dele, outra escova na casa dela. Invadir com licença total a casa, o quarto, a cama, a vida do outro que já não é um outro qualquer. É quem faz brilhar os olhos e consome prazerosamente as horas do dia. No pensamento, nos planos, na nostalgia... No desejo de ver, ser, estar.  

Juntar as escovas de dente. Colocá-las no armarinho do banheiro ou no pote sobre a pia. A rosa e a vermelha. A azul e a roxa. As escovas beijam-se como os lábios. Encontram-se como os braços no abraço de aconchego. Descanso de quem esperou e encontrou a escova que se encaixa à sua, ou melhor, o sorriso que se faz estabelecer sorriso no rosto. Não estou falando de aliança no dedo, nem assinatura em cartório, sequer de namoro. Falo de encontro.

Dormir. Acordar. E a escova pode e deve ser trocada de três em três meses, não o dono. Este fica. A porta do infinito aberta. A escova de dente colocada na prateleira da casa um do outro é a chave desta porta. Intimidade. Companheirismo. Descoberta do compartilhar para multiplicar razões de existir.

O amor se faz no encantamento, mas cresce mesmo é no cotidiano. Na insistência do dia a dia repleto de ocultas poesias que mesmo não tendo seus versos cantados, está ali, debruçada, à espreita para se fazer brilhar. Ah! O belo e nem sempre lembrado cotidiano.

Esse ir e vir de coisas que parecem bobas, mas que são tão legítimas e fundamentais nesta jornada de ser humano. Esse encontro que todos nós vicejamos... O outro se tornar estrela da sorte e da imaginação construir realidade. Sim! O real é que faz a imaginação e a imaginação é que faz o real. O que faremos de cada um? O que faremos da junção e ambos? 

Recebe escova de dente do outro, enquanto entrega o seu coração. Deixa a sua escova de dente na casa dele(a), enquanto permite que ele(a) more nos seus pensamentos. Faz diferença na corrida das horas, ao ponto que um dia sem ver ou ter aquela escova sendo usada é como um dia que se risca do calendário – não existe. Persiste a vontade. Motivação tem força!

Escuta? Se ouvir, sabe o que o mundo está dizendo. Começa baixinho, geralmente muito tempo antes de gritar. Quando grita não faz alerta de sirenes, mas barulho gostoso de festa. Anima sair da cama para correr nos jardins do parque de cerejeiras e lagos, brincar com os patos que fogem assustados. A porta do infinito ensina que infinito mesmo se faz na descoberta e as descobertas não podem acabar nunca.

Convida a escova de dente do outro. Pode fugir para a cama, da conversa, do mundo ou no mundo escolher a Argentina para na mesma mala levar as escovas de dente. Argentina? As escovas dançarão tango em dezembro. O que dançará por todo o tempo antes e depois da Argentina? O real fará a imaginação e da imaginação a realidade!  

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Palavreando

Aos sábados, no Caderno Z, o jornalista Wanderson Nogueira explora a sua verve literária na coluna "Palavreando", onde fala de sentimentos e analisa o espírito e o comportamento humano.

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