Como se sente?

sábado, 14 de setembro de 2019

Como se sente? Pergunta feita, na maioria das vezes ou quase sempre, por mera educação. A pergunta que se faz para puxar papo com a previsão de que a resposta será também meramente protocolar: “tudo bem. E, você?”. 

Talvez, em verdade e com raras exceções, não perguntemos com a convicção de quem está mesmo preocupado em saber a resposta. Até porque, nesse mundo corrido, mas em que o relógio continua girando na mesma velocidade de quando foi inventado, nós mesmos não nos perguntamos: “como se sente?”

Na psicanálise, é abertura para um conjunto de sessões. Mas até chegar lá, é sinal de que - sem se perguntar categoricamente - alguma questão está nos atravessando. A coragem de se autoconhecer não pode ser apenas empurrada pelo entalar de acontecimentos que nos sufoca. Atropelado corre o risco de não poder caminhar.

“Como se sente?”. Depende do dia e da hora. Por isso, é relevante estar se perguntando, se não permanentemente, de vez em quando. Para se perceber. Para perceber o que está à volta. Felicidade não é constante. Temos momentos felizes. Sei que é clichê... Convenhamos: adoramos os clichês. São como ditados populares mutáveis. A gente muda. 

Mas o modo como a vida age segue com busca e encontro ou desencontro; expectativas e certezas ou frustrações; experiência e maturidade ou vocações; verdade e julgamento ou fé... Mais um punhado de tantos outros conjuntos que nem sempre bailam nas contradições ou extremos. Somos assim feixes de luz, sem a velocidade da luz. Somos vida em expansão, até quando a retração teima em nos confundir.

Sentir. Tão importante é o sentir e se sentir. Como se quer. Como parte. Como soma ou mesmo subtração. Reunir sentimentos para além dos sentidos. A respiração da alma. O sabor da música. O arrepio do afeto. A visão do que há dentro. De si e do outro.

E eu te pergunto com a vontade de verdadeiramente sentir, bem mais do que saber: “como    se sente?”. E pergunto a mim mesmo: “como se sente?”. Semanticamente, mais apropriado seria dizer: “como me sinto?”. Mas é bom sair de si e se perguntar de fora: “como se sente?”.  

- Hoje? Ah! hoje, estou perplexo, quase sem forças para me indignar. (Parece distante de mim, mas a idiotização me aflige). Mas ao mesmo tempo, o sonho me move em fé. Nem sempre movimento é andar. Parado, também se avança. Não sei. A poesia que circula em meu sangue não é minha. É resultado dos meus ancestrais. Nada que aqui está é meu. Mas cabe a mim cuidar, proteger, evoluir o que me entregaram. Há certa fúria na suposta calmaria. 

Não me faço de ingênuo. Sou! Acredito no que me dizem, tanto quanto naquilo que me ocultam. Queria a sorte de período sabático, sem parecer um cumprir tabela. “Como me sinto?” Foi o que me perguntei... Sem pressa, ainda que a ansiedade tente subornar minha sabedoria. 

Eu me sinto um pássaro que observa, e, determinado a se nutrir de histórias prepara o voo, quando se já está no ar. Nada mais instigante, ao mesmo tempo perigoso, do que aprender a voar – voando.

- Como se sente? Você quer falar sobre?

 

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Palavreando

Aos sábados, no Caderno Z, o jornalista Wanderson Nogueira explora a sua verve literária na coluna "Palavreando", onde fala de sentimentos e analisa o espírito e o comportamento humano.

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