Achados sobre o tempo que se acha por aí

quarta-feira, 30 de outubro de 2019

Olhou a hora. Tornou a ver a hora de novo ainda que o minuto anterior sequer tivesse virado o seguinte. De tanto olhar a hora, viu o tempo passar, mas não a vida, que por sua vez, não ficou ali estática à espera de ser percebida. Seguiu, mesmo que ele não seguisse. A música acabou.

- O que você faz?

- Não faço nada.

- Nada, seu moço?

- Nada!

- A música acabou, seu moço.

- O que o moço faz?

- Nada. Sou apenas moço e moço não sabe de nada!

- É! A música acabou, mulher. O que a muié faz?

- Muié não faz nada além de sambar, seu moço.

- Sambar, sambar, sambar...

- E orar.... Orar, orar e orar... À mãe Oxum na roda de viola que é de Xangô.

Na noite, ela observa ele. Ele também observa ela. Ele, tímido. Ela, atirada, deu muita importância e decidiu não se atirar. Quando a música voltou, os pássaros se deram a cantar mais alto. Mas poucos podiam ouvir os pássaros. Eles ouviram. Se aproximaram. E dançaram ao som do canto dos pássaros. Um ou outro percebeu e achou que eles estavam em descompasso com a música que todos dançavam. A paixão pode ser mesmo uma estranha no ninho.

Lua cheia faz a noite ser mais clara. De uma clareza que só o que há de ser oculto se mantém. O sorriso se faz ponte para o olhar que se encara, ainda que de jeito acanhado. O menino de mãos no bolso observa que ela já passa as mãos no cabelo. Deve ter lido em algum livro de linguagem corporal que esse é um bom sinal. Ensaiou então o abandono da própria timidez. Os cinco ou seis metros de distância se fazem avenida reta de quilômetros. Ele dá meios passos para dar um. Ela parece esperar. E, espera um grupo de amigos que a cerca. Esperava também por ele.

- Uma caipirinha, por favor.

- Qual fruta. Abacaxi, morango, melancia ou maracujá?

- Limão, é claro!

- Com cachaça ou vodca?

“Caipirinha de verdade é com cachaça. Criação brasileira. Com qualquer outra bebida, não é caipirinha. É um drinque qualquer que deveria ter outro nome” – pensou, mas não disse. O trejeito do sujeito expunha essa sua convicção.

- Com vodca, por favor. Da importada.

“Vodca só se for importada, de preferência russa” – deve ter se convencido. Vai entender os virginianos.

Olhei a hora. Bailei no embalo das situações, achando saudades, desejos e cotidianos para fora dos cotidianos de festa. Quando tornei a ver, já tinha passado uma hora talvez. Enquanto escrevia no bloco de notas do smartphone, esqueci que o relógio existe. Mas o tempo não admite ser apenas um relógio no pulso ou no celular. Ele passa. E a vida passa pelo tempo sem que ambos queiram se casar. O texto pequeno está pronto. Mas o tempo... Trata de aprontar. E a vida? Ah! A vida insiste em se teimar inacabada. Quem dera pudesse a vida ter mais tempo.

 

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Palavreando

Aos sábados, no Caderno Z, o jornalista Wanderson Nogueira explora a sua verve literária na coluna "Palavreando", onde fala de sentimentos e analisa o espírito e o comportamento humano.

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