Ser feliz é um escândalo

As paixões nunca deixam de existir, elas apenas aquietam. Ficam lá! Quase à espreita, na espera de provocação. E reavivam, ressurgem, escapolem das profundezas e vêm a superfície quando as margens carecem daquilo que as contemplaram um dia.   

Podem lhe dizer que amam o sentimento de amar e não propriamente o objeto do amor. Talvez, possam explicar que apreciam o que sentem, e não exatamente a pessoa escolhida. Será que se escolhe? A pessoa? O tempo em que ela aparece? É tanto encaixe que é perturbador acreditar que simplesmente acontece. Ah! Buscar explicações é se ver obrigado a apelar ao acaso, milagre, aos astros, sorte grande ou apenas admitir a total ausência de resposta. É tão bom não ter respostas. Somente sentir, sem muito pensar. Como quando o vento vem e você se refresca nele sem o dever de determinar sua direção passada ou futura. Ainda que ligeiro, novo vento vem e é constante o seu vir ao ponto que parece o mesmo vento.        

Saberá exatamente o momento em que se apaixonou? Para que saber? Só para ter um traço na linha do tempo. Por que não ser a própria linha do tempo da sua história? A vida é tão breve que se é leve quando se leva nessas asas invisíveis que só se revelam ao olhar para o coração.

A gente só se arrepende daquilo que não fez. Do beijo não dado, do abraço não respondido, da mensagem não enviada, do carinho não selado. Porque o arrependimento gera a dor da dúvida. O que teria sido: glória ou tragédia? Será sempre verdade e a realidade é que somos os únicos responsáveis pelas nossas conquistas e derrotas. Ainda que não fazer não gere nem um nem outro, deixa a certeza do que poderia ter sido... É preciso, portanto, ímpeto. Essa vontade de se dar, de se jogar, de se revelar para si mesmo e obter a dádiva de permanecer ou só ir para seguir em frente. 

Você pode viver uma paixão, mas não pode permanecer nela ao ponto de morrer - não acredite em tudo que lhe dizem. As paixões nunca deixam de existir e são elas que tornam tudo mais interessante. São trampolins para te levar ao alto ou para a queda. Mas você só descobre ter asas quando busca pescar as estrelas ou quando precisa pousar vivo. Estar apaixonado é, portanto, se permitir o encanto, se admitir espantado com o cotidiano, mas também se descobrir ator do absurdo. Ser feliz é um escândalo. Não deixe de se escandalizar.      

As pessoas procuram, procuram e procuram, mas não acham, porque em verdade não sabem o que procuram. É quando, de repente, o que não procuravam as acha. Pode ser a tal felicidade que se esqueceu até de sonhar. Pode ser aquele detalhe que passa despercebido entre as cores das flores do canteiro de poesias que se esquece de ler por acreditar que já as decorou. Sempre há poemas inéditos nas novas canções. Não há necessidade de se apegar aos detalhes. Porém, pode ser que a sombra dos pés no chão ensine mais que os troncos no alto. Há detalhes que ninguém vê, mas que todos se encantam sem saber. Por isso choram e se emocionam.

Pode ser coleção de achismos esses devaneios que visitam esse texto desconexo aos olhos dos que já não se surpreendem. Mas esses meus achares estão evoluindo para outras coisas que não sei explicar... Coisas que sei dentro de mim, mas que pela sua grandeza não consigo externar. Talvez meus olhos brilhem. Talvez meu coração traga retrorrefletância ao caminho dos meus pés ou dos que me seguem ou dos que sequer sabem meu nome. Talvez minha alma voe... Mas sei que nada disso expressa bem o que sinto. Certezas indisciplinadas, pois refuto as certezas. Agora tenho certeza que há algo que não só me completa, mas me transborda. A felicidade é um escândalo que deveria saltar das páginas dos jornais. Ser feliz é o escândalo que quero que insista em me visitar.