Saudades de meu pai

sábado, 13 de agosto de 2016

O pão bem quentinho que acabara de sair do forno. A sacola ficava aberta para que o vapor do próprio pão não tirasse da massa a sua crocância. Já no carro mesmo, as minhas mãos pequenas se confundiam com as mãos grandes e pesadas de meu pai ao beliscar o pão, pouco a pouco. O desejo era de chegar logo em casa para aplicar manteiga ao miolo do pão e vê-la derreter.

Raras foram as vezes que meu pai me disse eu te amo. Com seu jeito bronco e muitas das vezes até grosseiro, meu pai encontrava outras maneiras de demonstrar carinho. Uma delas era trazer salaminho do mercado para que eu colocasse no mesmo pão quentinho da padaria. Ele sabia que eu adorava salaminho e pelo menos uma vez por semana me trazia a iguaria.

O tempo passa muito rápido e ao longo da jornada despercebemos que rituais muito simples determinam quem somos nós. Sempre travei uma batalha comigo mesmo para ser diferente do meu pai. Agora, na falta dele, percebo o quanto dele tenho em mim. A fé nas pessoas que muitos julgam ser ingenuidade, e que seja, é uma das mais nobres virtudes que herdei dele. Também é dele a herança da minha crença na força que advém do trabalho sério e correto. Nunca conheci alguém mais trabalhador do que ele. Um cientista do morro com suas engenhocas complexas, mas muitas das vezes úteis. Lembro que meu pai ficava horas e horas do domingo trabalhando peças no esmeril. Quando não tinha nada para aprontar, logo inventava um defeito no carro para ocupar sua mente hiperativa. E o dia que derrubou o carro no barranco? Criou uma plataforma de madeira para tirar óleo do carro e trabalhar sua parte inferior... O veículo perdeu o freio e veio a baixo.

Outra vez, cismou de soldar uma parte do motor do seu Chevette 85. Lambeu fogo, apagado por sugestão do vizinho com areia. Desesperos sempre seguidos de grandes gargalhadas.

Meu pai sorria pouco, mas quando ria era das piadas mais toscas possíveis. Gargalhava com Mazzaropi. Assim que chegou o vídeo-cassete lá em casa, alugava filmes de Mazzaropi. Acabava obrigado a assistir também. Ria mais da risada dele do que das piadas antigas. Talvez, sem perceber, gostava mesmo é de ver meu pai leve, feliz. Lá em casa, só tinha uma televisão. Tinha que ver o que ele via. Os filmes de bang-bang, as explosões gratuitas dos filmes policiais, Supercine na Globo. Era o único momento que meu pai descansava do mundo.

 E, quando inventava de ir para a cozinha... Nesse setor, minha mãe era imbatível. Mas havia duas delícias que meu pai era chefe: bacalhoada e cocada. Só de pensar, os cheiros vêm à minha memória. O exagero de coco faria com que suas cocadas fossem sucesso em qualquer barraca de feiras e eventos. Era sucesso em casa!

Sua voz mole confundia as pessoas de fora. Era bravo, firme, irredutível. Eu, justiceiro, tinha discussões ferrenhas que na maioria das vezes acabavam no frágil argumento do cinto. Respondão, meu pai não aturava meu jeito revolucionário. Cantava o chinelo, o cinto com fivela ou a mão mesmo. Quantas besteiras ditas da boca para fora. Mas o perdão sempre vinha rápido de ambas as partes. Só demorou mais no dia em que fugi de casa. Foi um mês sem uma palavra comigo. Foi o pior mês de todos os tempos. Depois, felizmente, tudo voltou ao normal.

As brigas, as respostas, as obrigações chatas dos fins de semana, o ciúme com minha irmã mais nova, sempre super protegida. Aqueles debates serviram muito. Tudo serviu demais para constituir meu caráter, minha personalidade, a determinação em ser mais do que posso, sem jamais perder a essência infantil.              

No fim das contas teremos é muitas saudades desses momentos que quando estão sendo construídos beiram a banalidade. Mais à frente, quando se tornam nostalgias, dessas boas de carregar no peito, verificamos então que banal é desconsiderar o óbvio. Raras foram as vezes que meu pai me disse eu te amo. Mas inúmeras, incontáveis, foram as vezes que meu pai, à sua maneira, me amou.

 Eu continuo amando sua história, seu exemplo, sua presença frequente nos meus dias, demonstrando que o melhor caminho eu escolho, mas a melhor forma de caminhar é a que ele me ensinou.

 Saudades de você meu pai... Se é sonho te encontrar fisicamente, é bom demais te reencontrar várias vezes no dia com essas lembranças de quando eu era criança ou de tão pouco tempo atrás, quando você ainda estava aqui. Sua voz não ecoa mais na sala, mas no meu peito ainda tem o seu eco me chamando pelo nome ou simplesmente de filhinho.              

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Wanderson Nogueira

Wanderson Nogueira

Observatório

Jornalista, cronista, comentarista esportivo, já foi vereador e agora é deputado. Ufa! Com um currículo louvável, o vascaíno Wanderson Nogueira atua com garra no time de A VOZ DA SERRA em Observatório, sua coluna diária.

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