Quando você vem

sábado, 20 de janeiro de 2018

Na experiência do silêncio é que mais ouço seu nome, é que mais percebo o seu olhar. Sorrio. Sem poder imitar o sorriso que me faz sorrir. Sem poder seguir o caminho do eco que se faz. Mas vou. Sigo, ainda que por caminhos que desconheço, e, livremente, me deixo descobrir. Pois o desconhecido também pode ser divertido, tanto quanto é arrebatador.

Nessa experiência, o silêncio se comunica com minhas desorganizadas frases e me diz que seu afeto me afetou de tal maneira que não sei mais o que é ser afetado por outro afeto. Para que tentar dar ordem a essas falas que me vêm? Não tenho talento para navegar no mar metódico.

O silêncio grita aquilo que acordou. Mostra que enquanto adormecido eu estava apenas sobrevivendo. Dormia sem ter consciência que estava desacordado. Acordei e agora passo a viver. Vívido, só sei sentir a falta que me faz nesses segundos que atropelam as horas. Alvejado pelos disparos de uma seta invisível descubro que no meu peito tem coração. Não aquele que apenas pulsava pela mecânica da natureza. Mas esse que palpita pela vida que diz que só há vida após ser apresentado à paixão. Desvio, enfim, de ser automático. Envio para mim a mensagem que o silêncio me diz: “apenas mergulhe”!

Ao refletir, meu corpo se conecta à terra em seu mais profundo centro e meus pensamentos se elevam ao teto azul que existe sobre mim. As respostas deixam de responder a perguntas e apenas falam: “vá ser feliz!”; “ouça a voz da profundidade que vem de você”. Singularidade bestial essa de se achar especial. Mas o silêncio me confidencia que sou único e que na minha peculiaridade, minha escolha é minha e é você a escolha.

Estupidez seria colocar minha liberdade em apenas uma mão. Mas me dou a liberdade de dar liberdade aos meus passos e me vejo então correndo para os seus braços... Ainda que eu corra rumo ao nada, ainda que eu dê de cara com um infinito apenas meu, ainda que seja vacilante minha trajetória pelas notas da música que eu ouço e que você refuta ouvir. Amar é também deixar ir. Deixar-se ir para ser levado ao invés de levar. Não pode ser uma questão o que eu dedico, pois só nos damos por inteiro quando não esperamos nada em troca. Então, não sou rio, nem mergulho. Mas estou aqui para mergulhar e o rio está ali para quem quiser entrar.

Posso me enganar e o silêncio pode me confundir. Mas na experiência do silêncio gosto dessa confusão, dessa paz que diz tudo e tudo o que me causa. Seria um labirinto apenas repousar no seu colo? O silêncio podia te chamar também para essa brincadeira que eu coloco, onde o pique tá em mim mesmo. Mas o silêncio é meu e ele conversa apenas comigo. E me convence sem teimar muito em convencer. Você me deu tudo que podia me dar e meu egoísmo recheado de expectativas exigiu mais, quando eu poderia ter ido mais e sido mais e dado mais. E você se foi, sem que eu quisesse.

Se eu corro não é para cruzar a linha de chegada. Me divirto mais com a corrida do que com o sonho de chegar. Só me completo quando olho para o horizonte e imagino que seu sol bilha para mim. Talvez eu jamais possa tocar o sol. E sei que é mortal se aproximar. Mas é no risco da ilusão da imortalidade que me atiro. Olha o que o silêncio me faz quando traz você para mim.

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Wanderson Nogueira

Wanderson Nogueira

Observatório

Jornalista, cronista, comentarista esportivo, já foi vereador e agora é deputado. Ufa! Com um currículo louvável, o vascaíno Wanderson Nogueira atua com garra no time de A VOZ DA SERRA em Observatório, sua coluna diária.

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