Colunas
Quando vem a noite
Os bichos fazem barulho na floresta escura. É bonito o som que vem de lá. A calma do sono dos bichos invade alma atenta que percebe o dom sonoro dessa orquestra. Canta sons de paz. Emite recados que não precisa saber a língua da natureza para entender. Tem sabedoria. Apela para o equilíbrio com paixão.
A lua tenta vencer a neblina. Sua luz alimentada pelo sol faz a maré subir, as plantas respirarem, as energias se realimentarem. Silueta o mundo nos seus mais precisos contornos. Explica na simplicidade de um dia o ciclo da vida. Adormece menino. Reabastece no sonho a esperança.
Vela o dormir sereno. Pacifica no intervalo do comprimir e exprimir aquilo que não se resolve da noite para o dia. Só o amor salva. Quando chega a noite e as estrelas aparecem surge também no peito o universo e seus planetas. Pode haver apenas uma rosa em um. Canteiro de girassóis em outro. Mas independente do que esteja em cada planeta, no peito a mesma vontade se achega.
A paz não se encontra só, não se estabelece na solidão do quarto ou na relação com um livro. A paz exige festa e festa pede convidados. Para a sala, na varanda, para a cama, para a mão que se estende, na fala que quer conversa... Dessas que não contam os minutos e são recheadas de sorrisos e até silêncio. E é tão lindo quando no intervalo de um breve silêncio se entende o que o outro diz. Aposte no acaso e sem temor por intitulá-lo também de milagre. Há tanto por se perceber...
Eu digo o que quero e meu jeito revela que não jogo ao ar aquilo que meu coração não sustenta. Pode não suportar, mas se doa e se dá o quanto pode amparar o que cativa e luta. Mais sonhador do que desbravador, a poesia solta para o papel minhas rimas de felicidade. Leve, peço que não me leve a noite, porque o dia só tem graça se ao acordar eu tiver o que estava ao meu lado quando a noite caía.
Noite de sotaque divertido quando me chama pelo nome. Não me chame apenas de amigo e não comente que eu conto com o futuro. Deixo acontecer... A lua vir e o sol chegar. Posso chamar a lua para dançar, mas quero mesmo é rodopiar com a noite. Esta noite que traduz tanto das línguas que falo, mas não compreendo. Traz certa cura que anestesia o drama, a angústia e a ansiedade. Fala por horas e eu gosto de ouvir o que diz. Sorrio. Prospera a oração que vinga leveza e na ausência de cobrança ou de se cobrar nasce um verdadeiro sentimento que não precisa se explicar. Aceno: vem!
O sono que abate se desfaz na possibilidade desse encontro. Há magia no cair da noite e é bom o que traz. Não gosto de ir dormir. Não gosto de acordar. Mas amo a possibilidade de ter o lençol invadido e saber que pela mesma colcha estarei protegido quando a lua der lugar ao sol. E não peço nada demais. E não quero nada além do que essa música gargalhada inventa.
Quando cai a noite as flores se recolhem, a terra produz, o mar se eleva, o bêbado se transforma tanto quanto pode pular o equilibrista, o sorriso se planta, a sensibilidade de tudo se expande. Quando veio a noite, o sol passou a fazer companhia à lua no meu olhar.
Posso ser o circo, a lona, posso ser a festa inteira. Posso ser só o copo ou o líquido que escolher para dentro desse refratário transparente. Mais do que compor uma música, quero ouvir esse som que inebria e desestabiliza meu pequeno punhado de lógicas. Eu quero esse número que desorganiza a equação de sagitário. Eu quero essa fraqueza que faz do mim fortaleza. Quero calçados que me façam ir longe para estar mais perto. Abraço.
A noite se faz de testemunha, enquanto me desvencilho da tarefa de biógrafo. Quero mais é ser biografia, estar na biografia da noite que me faz mais leve do que nunca. Poderia a paixão ser leve? Desde que a noite chegou, começo a aprender que sim!
Wanderson Nogueira
Observatório
Jornalista, cronista, comentarista esportivo, já foi vereador e agora é deputado. Ufa! Com um currículo louvável, o vascaíno Wanderson Nogueira atua com garra no time de A VOZ DA SERRA em Observatório, sua coluna diária.
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