Os poetas sobreviverão

sexta-feira, 04 de setembro de 2015

A busca pelo amor, a tentativa de conquistar quem te ilumina os olhos, te leva a um desprendimento quase possessivo. Você experimenta na entrega a possibilidade de abandonar por completo o egoísmo, o egocentrismo e até suas mais antigas convicções. Aquelas em que você acredita ser senhor do seu destino ou que jamais será dominado por força alguma. O amor despe o jogador e muda a rota do estratégico planejador. O amor confunde você com você mesmo. A paixão aniquila a soberba e te impõe dependência. Entorpece. Aflige. Bobo sofredor.

O amor muitas das vezes beira a humilhação. Dessas que você faz o que jamais pensou em fazer. Dessas que você troca seus prazeres e desejos, porque passa a conhecer o que é necessidade. Dividir as horas com esse alguém é tão vital, é tão fundamental que sua essência derrete para onde seus pés te carregam. Caminha sem cansar na proporção que pensa naquela pessoa sem cessar. De repente, está voando porque o amor é mesmo as asas velozes que nos levam ao céu. Mas da mesma forma que surgem de repente são arrancadas na recusa do outro em lhe acompanhar. Aí você despenca tanto quanto seu coração dilacera-se. Se não morre com as feridas, ainda tem esperança, porque um apaixonado encontra fôlego em qualquer fio fino de fé. Repete toda a tentativa e se machuca quantas vezes forem possíveis. O amor mata se não a si, ao menino, ao sonhador, ainda que sustente o poeta.

Desistir é algo mais difícil do que acreditar. Você faz pirraça consigo mesmo e aposta todas as suas fichas. Perde. Na ausência de trocados no peito – mendiga. O amor muitas vezes não só beira a humilhação, como ultrapassa a tolice.

Não te quer e ponto. Por que colocar mais dois pontos e ter reticências? A escolha ainda que não dita foi feita. As atitudes gritam o que o poema sem destinatário comprova: você foi preterido. Esquecido é melhor esquecer. Insistência inútil. Você não conquistou aquele coração. Tão complicado crer numa nova história tão mágica e única. Dirão: todas são! Mas não são. E é isso que mais angustia: pode ser a única de uma vida inteira que muitas vidas jamais terão. Por que você não me vê?

Eu pedi que me desse a mão. Eu visitei o seu olhar achando que podia ver a sua alma. Eu bati na porta do seu coração. Eu fiz poemas e canções. Eu sorri para você com sorriso largo ao infinito. Eu insinuei dar tudo de mim. Eu deixei para trás quem me queria, porque escolhi querer você. Ainda que tivesse dado um pouco de si, ainda sim você não me viu. Há quem escolha quem não o escolheu. Não queria que fosse eu. Não queria que não fosse eu. O pior é que você não tem culpa alguma.

Meu ciúme fez com que eu passasse a odiar São Paulo, quando na verdade deveria desgostar das escolhas que faz. Nunca mais quero ouvir Caetano cantando “Sampa”. Insisto em ouvir Caetano cantando “Sozinho”, quando ainda me pego murmurando “Nosso Estranho Amor”.

Insônia me consome de seu nome. Vício difícil de abandonar me abocanha o coração e me concede inspiração. Feliz e triste na ciranda dos momentos. Sua dualidade atormenta minha insegurança e destrói minha suposta confiança no futuro que previ. Como eu queria que tivesse saudade e desejo de mim. Ainda viro as costas e sigo. Para onde? Maldita profissão de poeta que sobrevive do amor, mas não sobrevive ao amor. Os seus poemas para outro...

Parem com essa música! Já ouvi uma voz única que me cativou. E, não eram os cantos dos pássaros. Meus lábios ficaram, mas meu sorriso se foi. Nos meus lábios ficaram o seu beijo, mas dos meus sonhos despertou. Após duas semanas, a rosa sobre a crônica murchou, ainda que permaneça vermelha como meu sangue quente pedindo para esfriar. A realidade feliz não vingou. Queria ser desejado e não despejado do mundo de encantos que na vã tentativa de encantar não conquistou. Decidir seguir em frente só decido uma vez, sem volta. Por agora, deixa a minha tristeza - própria de quem foi visitado pela felicidade - chorar. A intensidade é sempre extrema. A intensidade insiste em viver nos extremos.

Ao final de tudo, os poetas sobreviverão do amor, ainda que não sobrevivam ao amor. Trágico e sereno amor – tão dual quanto você e tão intenso quanto sou.  

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Wanderson Nogueira

Wanderson Nogueira

Observatório

Jornalista, cronista, comentarista esportivo, já foi vereador e agora é deputado. Ufa! Com um currículo louvável, o vascaíno Wanderson Nogueira atua com garra no time de A VOZ DA SERRA em Observatório, sua coluna diária.

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