Observatório - 25/01/2014

sábado, 25 de janeiro de 2014
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Hoje é dia de crônica

 

Bem me quer, mal me quer

De repente, chega! Vem. Sem avisar, meio que de surpresa. Vem no momento em que menos se planeja. Não se espera e se instala ligeira e despercebidamente nos primeiros minutos, segundos, sei lá. 

Acontece em um esbarrão, naquele olhar desencontrado que se encontra por estar perdido no meio da multidão. Conecta. Mesmo que de longe. Em um instante, a distância se desfaz. Geralmente, vem quando o peito está menos aberto para o aceite daquilo que já não se tinha tanta esperança de receber. Visita que não se presume. Mas gosta de chegar assim, quando não se tem nada preparado na cozinha, nem bolo, quindim ou rolinho primavera. O sovaco pode estar nem tão protegido, o sorriso pode não estar tão brilhante, meio amarelado de Coca-Cola ou café. 

Chega. Inoportunamente. Quando você está real. Surge no despreparo de quem já não se prepara mais. Talvez porque não espere mais. Talvez porque já não pareça tão importante ou essencial. A vida tem que seguir. Ainda que a vida florida tenha mais encanto, a chata também tem que ser vivida.

Não é anunciado com trombetas, na verdade, não se anuncia — se aconchega. Provoca risos, insegurança boa que existe só pra fazer os pés saírem um pouco do chão, até descobrir que tem asas para voar. Não roube as estrelas do firmamento. Faz vergonha à lua. Vergonha mesmo vem na fala apressada, atropelada pela piada dormida que até dá riso de educação. 

De repente, chega! E você quer aquilo que não esperava, tampouco queria. Querer, todos querem! Mas na hora certa, como se houvesse momento certo... Certo é ser feliz! Ainda que tachado de bobo, tolo, tosco, embasbacado. Exagerado como na música do Cazuza. Para explodir o orgulho bobo e se deixar na condição de dependente, queixo caído, bonachão, entregue, absoluto, mergulhado na profundeza dos sentimentos puros que brilham os olhos e fazem cobiça alheia. Tão natural quando não faz mal a ninguém.  

Como pétalas, jogamos ao ar "bem me quer, mal me quer”. As pétalas acabam, mas os sonhos continuam sendo jogados ao ar, para que um anjo possa capturá-los e lançá-los a alguém que possa realizá-los. As pétalas voltam à terra, os sonhos se esfacelam no ar e a crença de que anjos existem sucumbe. As lágrimas congelam e na festa esquece ser possível essa coisa de amor. "Por que para os outros e não para mim?”, questiona. Talvez, a festa sirva para isso ou para se divertir sem o compromisso de voltar com alguém para casa. Mas quando a festa acaba, ainda que não vire ação, a intenção é suplicar de novo pelas pétalas de quem se quer e que nem se conhece, sonhos ao ar para achar esse alguém, anjos que atendam a esses pedidos repletos de querer. Mas aí a realidade se fortalece e você esquece mesmo ser possível essa coisa de amor para você. A cama é grande, tanto quanto a noite é escura mesmo com a luz acesa.

Chora nos filmes, desconfia das histórias das novelas, ouve música como se cada canção fosse um psicólogo que diz tudo tão assertivamente. Fossa. Bossa. Nossa! Coração vazio pesa. 

Quanto mais esquecido, parece gostar de ficar esquecido, no canto do castelo vermelho, vem. De repente. Inesperadamente. Para corrigir rotas. Para aniquilar planejamentos solitários. Ninguém nasceu para ser só. A sorte sorri debruçada em uma janela de trem. O amor, mais cedo ou mais tarde, chega para toda a vida. Ilumina quem aprendeu a viver no refúgio da imensidão sem multidões ou com aglomerações de rostos cujos nomes você não conhece. Clareia o caminho. Chega na hora certa em que os pés descalços, já calejados, recusam caronas e optam por embarcar naquele trem, para ficar naquela janela que passeia o seu destino. 

De repente surge, te empurrando nesse precipício que faz você descobrir que pode voar e voa sem amargura, contornado um vento mais forte ou outro e vai fundo... Profundo até o fim que pode acabar no fim mesmo ou em recomeços e novos começos que circundam o símbolo que inventaram para ser o do infinito. 

 

Nascido em Nova Friburgo, Jerry tem seu nome confundido com o bar que mantém há 23 anos na Rua José Tessarolo Santos, a antiga Baronesa. Soma-se aos 20 anos do bar que mantinha no Perissê para totalizar 43 anos de pura simpatia atrás do balcão, alimentando sonhos e acolhendo amarguras diversas. O bom ouvinte dono de bar foi jogador de futsal na juventude — e dos bons. Zagueiro, conquistou com a equipe do laboratório Ronny Barros o 1º Campeonato Independência, em 1972, e fez parte da vitoriosa seleção do comércio de Nova Friburgo. Jerry é pai de dois filhos e parte da história boêmia e esportiva de Nova Friburgo.    

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Wanderson Nogueira

Wanderson Nogueira

Observatório

Jornalista, cronista, comentarista esportivo, já foi vereador e agora é deputado. Ufa! Com um currículo louvável, o vascaíno Wanderson Nogueira atua com garra no time de A VOZ DA SERRA em Observatório, sua coluna diária.

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