Observatório - 24/12/2013

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Milagres existem, eu sei

Escrevia esse texto exatamente enquanto aguardava para visitar a minha mãe, no exato momento em que ela começava a partir em definitivo dessa esfera temporal. Mantenho os parágrafos seguintes, acrescentando apenas os quatro últimos pela natural alteração dos fatos, mas não do pressuposto da história!

Dizia: eu já ganhei o meu presente de Natal! Foi Deus quem me deu. Foi a força da mulher, da pessoa mais importante da minha vida, o meu maior presente. Após uma parada cardíaca de 25 minutos, minha mãe não desistiu, não quis ir e voltou! Deus a mandou de volta e estou sereno perante a vontade e sabedoria Dele!

Os momentos são de tensão, mas não há como não dizer que minha vida já foi abençoada de milagres! E não é exatamente como Einstein disse: "Há duas formas de viver a vida. Acreditar que existem milagres ou acreditar que todas as coisas são um milagre”. Sim, Einstein! Todas as coisas são um milagre! Mas há milagres cotidianos e milagres maiores! Eu presenciei os tais milagres maiores através da minha mãe! Este é mais um, não mais ou menos importante! Mais um grandioso milagre!

Há seis anos, minha mãe também quase partiu! Ela precisava, já há época, de um transplante de coração! Os médicos decidiram não esperar porque ela não resistiria e se arriscaram numa cirurgia em que as chances eram de menos de 10%. A operação foi um sucesso, considerada até pelos médicos como milagrosa.

Seis anos incríveis de segunda chance. Cada ano, um a mais dado por Deus! Um coração de novo costurado, mas com o mesmo amor em formas mais diversas do que antes. Um amor que experimentei como nenhum outro igual. Um amor incondicional que não tinha como corresponder à altura. Amor de mãe e filho é forte. O amor entre eu e minha mãe mais forte ainda. Sempre dizia a ela que a amava e prometia continuamente que a orgulharia. Guerreira, meu exemplo de insistência na vida, ela dizia que eu já era um orgulho para ela! Mas para mim sempre pareceu pouco, diante de sua valentia e persistência!

Com razão, a história de vida de Arlete é daquelas de rasgar outras histórias de superação. Saiu de uma roça paupérrima atrás de um príncipe encantado que virou sapo. Passou todas as mais difíceis situações possíveis e imagináveis com um filho debaixo dos braços — André. Perdeu um filho que lhe foi roubado na maternidade. Teve a ajuda de muita gente para dar uma grande virada na vida. Mas nada nunca de mão beijada! Tornou-se uma excepcional costureira daquelas que viram a noite, inventando mil formas de incrementar a renda para presentear os filhos e alimentar a sua natural vaidade de mulher bonita. 

Não teve um segundo casamento dos mais fáceis, mas foi feliz por um bom tempo, especialmente, com a chegada da sonhada filha que se juntou a mim e meu irmão — fruto do primeiro casamento. Minha mãe sonhava tanto em ter uma menina, que antes de ter a Glaucia, tinha uma boneca enorme que ela cuidava. Talvez, compensação por falta de brinquedos na infância de angu e casca de banana. Talvez pelo sonho que demorou a realizar! A chegada da minha irmã fez os olhos de minha mãe brilharem como nunca. E as duas se tornaram grandes amigas, com o inevitável enredo de altos e baixos — muito mais de altos, diga-se de passagem. Amizade linda...

Minha mãe sabia com habilidade separar as hercúleas e normais brigas de menino que tinha com meu irmão mais velho. Minha mãe curava minhas dores de cabeça de adolescência com maestria! Só ela conseguia. Como só ela conseguia me fazer descansar no sofá quando chegava exausto da rotina, escola e trabalho, trabalho e escola. Sempre pedia a ela arroz com feijão e ovo mexido! "Com cebola, né Dinho?” "Com cebola e um pouquinho de farinha, mãe!”,  respondia. Esses são os tais dos milagres cotidianos.

Milagre grandioso foi quando ela encontrou o filho perdido, aquele roubado na maternidade. Uma espera de vinte e tantos anos. Um dia inesquecível para ela que guardou esse segredo por todo esse tempo! Ninguém, a não ser meu pai, sabia dessa procura. Comecei a entender seu sofrimento e mais do que isso, o quanto mães podem ser fortes ao esconderem suas maiores dores para preservar os filhos!

Lembro-me do dia que ela me presenteou com um cordão com um pingente de figa! Está no meu peito até hoje, junto com uma medalha de Maria que ela me deu posteriormente. Antes de sua maior batalha, ela me deu esse presente como forma de que eu lembrasse dela sempre e para que eu soubesse que estaria sempre protegido, houvesse o que houvesse! E, lá precisava disso para que eu lembrasse dela o tempo todo e tivesse certeza de minha proteção terrena maior. Inevitavelmente, a sua luta sempre me fez lembrar da outra Maria, de dois mil anos atrás.

Bem, há 10, 12 anos, sua maior batalha! A do coração! Um coração tão grande não podia ser tão enorme. Cabia tanta gente nele, que meus primos a tinham como mãe. Os vizinhos como irmã! Voltando do trabalho, ela sentiu uma fadiga e achou que era pneumonia! Indo ao médico, fez em dois dias uma cirurgia cardíaca emergencial! A operação deu certo! Mas não resolvia os problemas que em pouco tempo voltaram! Ela foi se tratar em São Paulo! Lembro de vê-la indo no ônibus. Foram semanas de presença da ausência! Dias sofridos! De orações! A constatação do transplante! A cirurgia como medida única e arriscada porque a guerreira não aguentaria a espera! E Deus operou o milagre! Minha mãe sobreviveu! E nessa segunda chance resolveu que seria feliz! Separou-se de meu pai. Buscou um novo amor! Foi contestada, mas manteve-se firme. Sua busca foi abençoada e ela reluzia! Eu acompanhava tudo sem julgamento e ficava olhando para o enorme boneco do Superman que ela me presenteou! Devia eu assumir o esteio da família e ser o super-herói de capa para cuidar da minha irmã! Minha mãe confiou em mim e surgia ali a segunda mulher mais importante da minha vida — Glaucia! Nossa amizade rendeu grandes sorrisos no belo rosto de rainha da minha mãe! Foi uma fase de compreensão e avanços! Minha mãe feliz por tudo e pela primeira vez por ela mesma! Nunca antes egoísta, finalmente se dava o direito a cuidar também de si, além da mania permanente de cuidar dos outros!

Mas o coração grande demais não pode caber todo mundo! E para caber todo mundo precisa ser trocado! Um novo coração na mesma alma! Um órgão diferente para os mesmos amores e sentimentos! Um novo milagre, ó Deus! Mais um? Três meses vivendo no hospital! Com todo carinho e atenção! Minha mãe conquistou todos tanto no hospital em Nova Friburgo, como nas Laranjeiras, no Rio de Janeiro! Único hospital do Estado que faz a cirurgia do transplante! Dessa vez não havia possibilidade de cirurgia paliativa! Só mesmo um novo coração que não vem, mas que virá se assim tiver que ser!

Falei com minha mãe por telefone ontem! Antes de vir para o Rio! Não sei por que, mas desmarquei todos os compromissos! Disse a ela horas antes: não aguento mais de saudade! Estou indo para o Rio! Daqui a pouco estamos juntos! Ela disso que não precisava e insisti! Terminei a ligação dizendo que a amava muito e que eu ainda tinha muito que orgulhar ela! Fui numa correria danada depois da rádio! Foram diversas olhadas para o relógio que minha mãe me deu para chegar o mais rápido possível! No meu último aniversário, ela me disse que queria me dar um presente marcante! Algo inesquecível. Pediu para que eu escolhesse, mas disse: "Um homem sério tem que usar relógio!” Mas eu não uso relógio! Aceitei o conselho e a sugestão de presente "livremente” escolhido na pressão por compreender o que minha mãe queria! Ela queria me dar um presente que eu não quero que seja o último de aniversário, ainda que seus olhos me dissessem isso! Passei a usar relógio! O relógio caro que ela me deu. Cheguei às seis ao hospital! O horário de visita era às oito! Mamãe estava super bem horas antes! Mas, de repente, pouco antes de eu ter chegado ao hospital ela estava tendo uma parada cardíaca! 25 minutos de parada! Ela voltou! Por milagre! Por teimosia! Por egoísmo meu e dos que a amam, provavelmente! Estou ciente da vontade de Deus! Já testemunhei milagres! Pela fantástica história de minha mãe testemunhei mais um! Conversei com os médicos e eles falam do milagre, mas da gravidade que é o caso. Conversei de novo com eles pela manhã e mantiveram as falas do dia anterior. Aguardo a visita! Aguardo a decisão divina! Agora é esperar para que tudo fique...

(A visita é um por vez. Minha irmã desce aos prantos e grita: sobe rápido, mamãe está indo embora!)

Eu não gosto quando escurece o dia. Temo quando a noite cai e fico sozinho! Tenho medo das dores de cabeça da madrugada! Choro copiosamente nas músicas tristes! Ontem à noite, tive um sonho ruim! E, gritei muito no sonho para que você não fosse. No seu leito, nos seus últimos sopros, já sabendo que você não estava mais ali, peço perdão pelo meu egoísmo! Deixo você ir, sem que vá jamais do meu coração! Reforço a promessa de, no seu exemplo de mãe e mulher guerreira, te orgulhar muito! Te amo tanto mãe e sempre te amarei! A saudade só aumentará ainda mais e isso me dói muito! Tudo me faz lembrar você, porque tudo que tenho e sou, tem você. Nenhum domingo será como antes, nenhum almoço será como os nossos de domingo. Não haverá mais natais na roça, nem dia das mães por lá, nem cá! Perdi a pessoa mais importante da minha vida, e, perdendo ganhei a melhor história que um filho poderia ter.

O coração dela, que grandioso sempre cabia mais um, por não ter espaço para colocar mais gente explodiu... Virou estrelas. Na noite escura vejo a claridade que surge de cada uma dessas estrelas! Me guiam. Me enchem de agradecimentos a Deus por cada milagre que Ele me apresentou através de minha mãe!

Me disseram que você estava menina, de vestido branca e chita, feliz na beira de um riacho! Me disseram que não preciso mais de capa vermelha para voar! Se você mãe era a minha capa, agora é meu voo!

Fui acolhido por tanta gente. Fui abençoado por muitos seres maravilhosos que me iluminam mais do que posso brilhar! Minha mãe está serena porque sabe disso! Não estou sozinho! Estou sem chão, mas minha mãe me ensinou a voar! Coloquei uma rosa vermelha em suas mãos já frias! Cantei para mim mesmo uma música do Roberto que cantamos olhando um para o outro no dia da festa da vitória! Se lembra, mãe? "Como é grande o meu amor por você...” Não sei se disse tudo o que podia falar por ser tanto... Mas saiba que agora sei mais do que ontem, mais do que a vida inteira: milagres existem eu sei! Os meus se chamam Arlete — a minha mãe!



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Wanderson Nogueira

Wanderson Nogueira

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Jornalista, cronista, comentarista esportivo, já foi vereador e agora é deputado. Ufa! Com um currículo louvável, o vascaíno Wanderson Nogueira atua com garra no time de A VOZ DA SERRA em Observatório, sua coluna diária.

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