OBSERVATÓRIO - 20/12/2014

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014
Foto de capa

Hoje é dia de crônica

 

Um ano, mãe

É difícil contar um. E não facilita saber que há ainda outros nove dedos nas mãos e mais dez nos pés para contar cada ano que virá sem você. Lembrança presente. Saudade frequente.

Dia após dia até formar esse conjunto que chamam de um ano. Fácil chamar. Difícil viver, ainda que a saudade atormentadora por vezes seja aquela que traz sorrisos de momentos vividos e que vívidos — emocionam. Se pudesse repetir. Se houvesse a oportunidade de pelo menos mais um dia. Um ano. Aí, seria prazeroso contar um. Melhor ainda se pudesse contar cada dedo dos pés e das mãos.

Se me fosse dada a oportunidade de pelo mais um dia... Diria tudo que disse. Diria o mesmo eu te amo com intensidade ainda maior. Faria questão de que soubesse com ainda mais franqueza de que é amor único. Aproveitaria cada minuto, cada segundo. Daria mais valor ao tempo e não perderia tempo algum. Sagraria mais a glória de te ter. 

Junto as mãos em oração. Elevo o coração aos céus para tentar compreender que, mesmo na saudade, o amor continua. A mesma saudade que me abate pode ser a saudade que me guia de novo até você. A saudade é o caminho do seu mapa.

Como me faz falta... Sem egoísmo algum, como me faz falta sua voz e, principalmente, o que diz essa voz. Essa voz me chama de filho, como nenhuma outra pode me chamar. As lágrimas me escapam e saem sem temor de sair. Saem sem destino, ainda que com propósito.

O que me dói mais é o cotidiano. Vou tentando me adaptar a essa ausência imponente, e, impotente venço hora por hora. A memória não falha e cada detalhe da dor da despedida se desenha de novo e de novo e de novo. A mesma memória também traz lembranças de miudezas e muitas experiências simples, mas fantásticas.

As pessoas vão, mas os exemplos ficam. Para guiar, aquecer, iluminar. Meu sol tem seu nome tatuado em seus raios. E eu sei que vou te reencontrar. Seja nas horas do relógio, porque um homem sério tem que usar relógio; seja no arroz com feijão e ovo mexido; seja na cena da novela; seja nas canções do rei. "Como é grande o meu amor por você”. Te reencontrarei em lembranças que por mais que nostálgicas, jamais trarão amargor presente. Sua presença ausente não permite. Essa ausência presente me garante um reencontro ainda maior, definitivo...

Mãe, as luzes de natal estão postas novamente. As ruas transbordam de gente comprando presentes. Meu coração e alma sentem. Não esqueço seus conselhos. Seu filho está aqui mais sozinho no mundo... Te procuro e não acho. Te vejo só quando fecho os olhos. Ficaria de olhos fechados para te ver, te ver e te ver. Abraço que nunca mais terei, colo que jamais dormirei de novo. Não há um dia que eu não pense em você. Não há um dia sequer que eu não seja invadido por sua força serena.

Seu cheiro aqui ainda está. Seu sorriso também. Minha pele ainda reconhece as suas mãos. Me chama pelo nome como só você sabe chamar. Posso ouvir, ainda que nunca mais possa ter esse privilégio. Quanta saudade...

Faz pouco tempo que me segurava no colo para apagar a vela do bolo de aniversário. Faz pouco tempo que, ano a ano, o primeiro pedaço do bolo de cada aniversário meu, eu dedicava a você. Rio sozinho das poucas brigas. Como foram bobas, seja pelo seu charme ou por meu drama. Com quem mesmo que eu aprendi a ser dramático? Ah, mãe! A música pede para eu deixar ir. O peso dos ombros até evapora e sigo. Espero te orgulhar, mãe. Sei que sempre foi seu desejo que eu seguisse, e, ainda que temesse, preciso continuar para mudar as coisas tais quais estão por aqui. Nossa cidade é cascata de luz que derrama das montanhas. Preciso fazer com que as pessoas enxerguem isso! Por isso, sigo com a veemência dos que admitem fraqueza, mas com a sensibilidade dos fortes. Só não me peçam para seguir sem as recordações maravilhosas dessa relação de mãe e filho. 

Todos os dias me visita e adoro essa invasão de mãe que faz falta até nas horas mais impróprias. Por que eu reclamava da ligação feita quando eu não podia atender. Queria que o telefone tocasse agora, que me interrompesse de escrever esse ou qualquer texto, que acabasse com a minha concentração dedicada, só para eu ouvir a sua voz, só mais uma vez. Na última, eu disse que te amava muito. Agradeço por ter tido a oportunidade de ter sido essa a última vez que pôde me ouvir. 

21 de dezembro... Diziam que seria o fim do mundo. É! O mundo tal qual conheço acabou para você e abalou o meu mundo, ainda que eu continue capitão do meu destino sob a sua influência. Passeia agora sobre a minha cabeça, entre as nuvens. Mora agora como sempre no meu coração, tatuada em minha alma.

Um ano, mãe! Contaram-me e sei que não será diferente nos dois, três ou trinta anos. A falta será a mesma, tanto quanto a presença ausente.      



TAGS:
Wanderson Nogueira

Wanderson Nogueira

Observatório

Jornalista, cronista, comentarista esportivo, já foi vereador e agora é deputado. Ufa! Com um currículo louvável, o vascaíno Wanderson Nogueira atua com garra no time de A VOZ DA SERRA em Observatório, sua coluna diária.

A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.