OBSERVATÓRIO - 01/11/2014

sexta-feira, 31 de outubro de 2014
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Hoje é dia de crônica

 

O avesso

Eu sinto falta de minha mãe. Da presença. Do apego. Do medo. Desse afago carinhoso que me diz: "não tremas, menino. Estás seguro!” Já nem sei que segurança eu quero depois de experimentar o que é paixão. Desassossego, mãe. Desses que bagunçam mais que perturbam. Sua ausência é presente, tanto quanto presente é a sua ausência. Porém, essa busca não é de filho, mas de quem quer se encontrar nesse mundo em que todos são pais e mães, no entanto, nem todos são filhos. Sou filho apenas de uma só mãe que tem jeito único de me chamar pelo nome. Perene vigor, sinal confuso, saudade constante. Sou refém de apenas uma paixão que me convida a mergulhar no seu tempo de ser apaixonante.

O que quer, responde com o que não quer. Você vai pro rio, eu pro mar. Você pra rua e eu pelo ar. Voo, voo baixo, às vezes, alto... Nunca jogo baixo. Quase não jogo. Dirá que o meu quase — é! Argumentos, argumentos frágeis de quem tem mais suposições do que fatos. Não sai nos jornais, mas é notícia de que assalto a literatura dos tenros versos que sapateiam nos seus lábios. Ingênuos, vendem maturidade de quem perdido me faz perder o juízo, o caminho para a solidão. Dá um tempo. Eu sem tempo, arrumo horas para te fazer declarações. São inúteis... Julga fúteis. Minhas tentativas são em vão.

Você é o avesso do avesso que já nem sei se sou avesso a você ou não. Viro o avesso para saber se do outro lado do avesso acho você ou não. Avesso ao seu avesso descubro que no seu avesso já não sou eu mais não. De tantos nãos e poucos sim, o avesso se revela e você avesso me faz desistir ou então insistir... Já nem sei, mas sei que é assim.

Assim gira o mundo e o mundo dá voltas. Volta para os meus braços e foge deles. Canso. Descanso. Anseio sem alimentar a ansiedade que permite insônia. Desfaz os nós como destrói qualquer possibilidade de apego. Justamente quando estou a um passo de me apegar, me afasta. Não me aleija — dirá. Faz o meio termo, como se houvesse meio. É ou não é. Vem ou não vem. Quem quer faz, quem não quer arruma desculpa.

Choro, esperneio na prece que invade a madrugada que na manhã se traduz. Derrete o sonho pelas besteiras que fiz ontem e na palidez de outrora me convence: o futuro a Deus pertence. E o agora?

Teu afeto me afetou, tanto quanto a falta dele. Somos afetos múltiplos afetados por tudo o que nos circunda. Parece cada vez mais claro para mim que é assim com todo mundo.

Eu reforço que não precisa me virar do avesso para descobrir a minha alma. Minha alma já se revela na paz de meu sorriso ou nas lágrimas que escorrem de meus olhos. Deixe o avesso, a aversão, o avesso do avesso... Tudo isso, deixe de lado. Sejamos um para o outro aquilo que o avesso quer, tanto quanto o avesso não permite. E, quando não permite, viremos do avesso para ver o que é que há do outro lado.



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Wanderson Nogueira

Wanderson Nogueira

Observatório

Jornalista, cronista, comentarista esportivo, já foi vereador e agora é deputado. Ufa! Com um currículo louvável, o vascaíno Wanderson Nogueira atua com garra no time de A VOZ DA SERRA em Observatório, sua coluna diária.

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