O protagonista

Não sou protagonista da vida de ninguém. Como não quero protagonista para a minha. Ninguém pode ser maior protagonista das nossas vidas que nós mesmos. Devemos buscar sempre, onde quer que esteja, nosso talento de protagonizar nossos próprios dias, nossas próprias loucuras, admitindo cada fragilidade e imperfeição. É nelas que a gente aprende, ainda que seja no antagonismo delas que a gente cante.

A gente cansa de tanto insistir. Mesmo os mais teimosos cansam. Cansam de tentar conquistar quem não quer abrir seu coração. Se cansa daquelas mesmas desculpas educadas de sempre. "Você é um cara muito legal". "Você merece tudo de bom". "Você é um fofo sempre". Posteriormente vem o conectivo "mas", que muda tudo. Subordinadas que subornam as frases e mudam o curso da interpretação. "Mas não quero criar uma expectativa". "Mas eu tenho medo da sua intensidade". “Mas eu estou num outro momento". E o deslize vira desculpa perfeita para que o pé na bunda seja leve, quase como um acariciar do rosto, um carinho perverso que aniquila a sua certeza de tentar mais do que estava disposto a cultivar.

A gente cansa de esperar. Na espera deixa entrar qualquer coisa na vida e de se tanto emprestar a desvios torna imprestáveis as histórias dos dias ao ponto de que elas não entrarão na sua biografia. Brincar de não dar certo não é brincadeira que faça sorrir, a não ser criar piada das próprias desgraças. Enquanto a música toca, o sofrimento troca com a solidão o próprio sentido de sofrer. Recusa o beijo e usa o rosto como escudo para a boca, mas esconde os olhos para não guardar a cena de alguém se dissolvendo em poesia dramática que gera poema para quem sente a dor do cansaço de perder o que sequer ganhou.

Já tentei mudar. Olhar mais para mim do que para trás. Seguir em frente sem as decorações que enfeitam, mas pesam o coração. Talvez o fingimento fosse uma viável opção. Mas como enganar a própria consciência?

Deixa acontecer. Que a natureza explique a sua falta de lógica. Que o Carnaval de setembro floresça as cores dos dias para que o amor visite sem fazer voltas. Porque cansei de andar em linhas retas na expectativa do que vem depois da curva. Porque cansei de sonhar e pelo sonho me esforçar para me adaptar ao sol de julho. Quero sentir frio quando o frio vem e temer o rebuliço quando o turbilhão de sentimentos toma meu coração. Não quero que o corpo carregue minha alma, mas que a alma faça voar meu corpo pelo tempo que tenho. Não quero saber mesmo quando a fala comprova o que dizem as atitudes ou a falta delas. Quero dormir, mas luto contra o sono porque sonhar está chato diante da tão cruel realidade. Mais ingênuo do que esperto, desconsidero a força que tenho para me desvencilhar do cansaço e aceito de bom grado o que o vento me traz, ainda que não seja certo que a tradução que faço é a mais adequada. Estou cansado. Sou teimoso. Muito cansado de dar com a cara na porta. Cansado de ir deitar com o choro na goela. Cansado de batalhar batalhas sem sentido. Pedaços não me farão completo. Juro seguir em frente, mesmo cansado das parafernálias que me levam para passear. A teimosia não me salvará, ainda que a insistência me livre de ser perverso.

Não sou protagonista da vida de ninguém. Como não quero protagonista para a minha. Ninguém pode ser maior protagonista das nossas vidas que nós mesmos. Protagonizar o show dos dias não é para carreiristas. É para quem sabe se reconhecer teimoso e também para quem tem coragem de se olhar no espelho cansado. E na incoerência de ambos perceber que há inquietação. Essa falta de sossego é que nos faz protagonizar a nossa caminhada para a paz. Na caminhada - e acima de tudo no caminhar - que se é feliz. A gente pode cansar de esperar, pode cansar de insistir, só não pode deixar de caminhar...