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O nó da matéria do mundo
Só queria saber para onde a gente vai quando quer fugir do mundo. Pra onde se vai quando se quer fugir do mundo? Talvez para dentro dele mesmo. Quem sabe para as entranhas de nossos pensamentos. Ou então para além das estrelas, sem roupa de astronauta – é claro.
O lance é que o mundo continua dentro da gente, mesmo quando não queremos, mesmo quando fugimos dele. É como querer separar o coração da alma, mas para onde vamos, o coração nos segue. Diria a ingenuidade que o mundo quem faz somos nós. Nós somos o mundo – grita a consciência coletiva. Não seja inocente, porque a inocência é inconsequente, tanto quanto as célebres paixões.
Fugir do mundo é possível só na impossibilidade de ser plena a poesia. Deixar-se de lado para ter alguém ao lado. Porque o lado nada importa se estiver vago, vazio. O mundo, ainda que grande demais para se conhecer, é tudo o que temos em vista. O tempo, ainda que eterno, é tudo o que sabemos dele – nada além desse instante.
A sobriedade observa a essência – essa gordura que temos no coração. E, ela se transforma. Maior ou menor – aquece, tanto quanto pode entupir as veias. Respirar pode ser apenas ato mecânico, quase inconsciente. Viver pode apenas ser caminho para a morte. Querer fugir do mundo pode apenas ser inflexão de quem quer ficar nele. E, pertencer.
Damos, recebemos, nos damos as mãos sem querer... Revidamos, gozamos sorrisos ao anoitecer. Amanhecemos, flutuamos, experimentamos vivências mesmo recusando-as. Interrompemos a lógica, tanto quanto pegamos emprestado para nós o improvável. Adoramos lidar com as apostas e imaginamos a surpresa da sorte. O sopro da vida arrasta as poeiras do mundo para que existamos nele, na era determinada para que sejamos sujeito da história. Insistimos quase que teimando. É preciso insistir para coexistir.
Fugir do mundo é querer se encontrar no mundo e em si mesmo. Não precisa nem ser entendedor de geografia para saber seu lugar. Basta saber que na matemática da vida, entender é: dois mais dois igual a quatro; compreender é: dois mais dois igual a cinco.
Somos então o nó da matéria do mundo que espera ser desatado desde a primeira luz que inunda o olhar. O nó que amarra o tempo de existir num conjunto de horas, dias e anos. O nó que junta e separa cada semente em raiz, caule, broto, flor e fruto ou apenas em água e ar. E vai... Pelo vento delicado, quase que imperceptível ou por vezes feroz e veloz. Voa por entre os pontos luminosos iludidos, confundidos como se fossem ainda estrelas. Viaja em sua própria trajetória ilimitada para ser um fugitivo de si mesmo como se fosse possível fugir do mundo. Nem para Saturno pode se fugir do mundo!
Wanderson Nogueira
Observatório
Jornalista, cronista, comentarista esportivo, já foi vereador e agora é deputado. Ufa! Com um currículo louvável, o vascaíno Wanderson Nogueira atua com garra no time de A VOZ DA SERRA em Observatório, sua coluna diária.
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