Intimidade

sexta-feira, 03 de junho de 2016

Eu ando e ando por calçadas vazias. E é tão vazio tudo. Tímido é o sossego dos meus passos. Tímido é o barulho da chuva que sequer quebra o silêncio. Só não é tímida essa dor que consome o peito e as vísceras. Intimida essa ansiedade em querer que essa página vire e que o livro não termine nela.

Pior do que a calçada vazia é a minha casa vazia. Pior do que a casa vazia é a minha cama vazia. Pior do que a minha cama vazia é o meu peito sem ninguém. Tenho necessidade de estar encantado. Para cumprir a vida exijo de mim mesmo inspiração. Onde colho? Onde acho? Tenho certeza de onde não encontro. 

Tenho medo de ficar louco. A loucura que me é vã não me assusta. Chamo-a para dançar comigo na chuva do chafariz da praça. Rio. Não faz rio a água que sai daqueles canos teatrais iluminados por luzes artificiais. São azuis? Vermelhas? Cinzas, não! Não sei. Quais são as cores para entender? Pergunta a música do meu desafeto destino. Afeto também pode ser o ódio.

Queria tanto ser estrela. Queria que quem me visse me sentisse. Ainda que estúpido. Ainda que maluco. Ainda que só. Só enquanto eu for o que quero ser sem ter sido - foi. Suspiro. Transpiro. Borboleta de jasmim. Carmim. Floresta. Céu ou só véu do céu sem ser nuvem.

Não quero ser louco. A cabeça dói não mais que o peito. Mas sua dor me assusta. Tenho medo de que a lucidez me falte. Tenho receios de que neuroses se acumulem em mim. Meu espírito não admite envelhecer. O que vejo quase ninguém vê! Mas se a insanidade não existe em você, logo louco nunca será? Sossega a alma com respiração pausada.

Caminho sozinho pelas ruas, quando a cama me chama para descansar. Mas eu odeio ir dormir, ainda que não goste de acordar. Desperto. Intimidade. É o que procuro! Intimidade.

Intimidade é essa vontade de construir junto e se adaptar sem perder a individualidade. É aceitar as diferenças, mas afluindo. São todas essas peripécias muito simples do cotidiano que agita e faz barulho nos minutos das horas. É a espera que a porta abra e você se sinta seguro na caminhada constante e interminável para a plenitude. E, caminhando de sonhos dados - pleno se é.

Quero mais que companhia. Quero laços de entendimento. Convergência que até possa divergir, mas que seja de verdade. Que eu possa conversar com o equilíbrio dos apaixonados, com todos os temores de quem ama. Quero enxergar o mapa de meus devaneios no espelho que reflete o meu rosto composto pela metade que me completa. Não estou inteiro só. Quero ser parte recusando estar partido.

A multidão não entra na minha casa. É avassaladora essa presença de algo ausente. É vazio que clama para transbordar preenchido. Eu estou precisando de intimidade. De ser devorado em devoção e devotar a paz dos que compartilham.

Se tudo fosse como eu quero... Seria tão óbvio, ainda que recuse o que é fácil. Mas não é como eu quero e é bem mais que difícil. Não posso cansar, dou a mim o verbo insistir quase que teimar.

Intimidade. Essa mágica que se faz entre duas pessoas que se entendem pelo olhar e se conhecem pelo tom de voz. Pacto de dizer o que tem que ser dito sem a educação de quem usa a polidez só a fim de manter um ritual social. Verdade rasgada. Entrega consumada cotidianamente na decisão de apenas dormir, cantar ou dançar na madrugada. Testemunhar existência. Compartilhar. Conviver.

Cumplicidade.

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Wanderson Nogueira

Wanderson Nogueira

Observatório

Jornalista, cronista, comentarista esportivo, já foi vereador e agora é deputado. Ufa! Com um currículo louvável, o vascaíno Wanderson Nogueira atua com garra no time de A VOZ DA SERRA em Observatório, sua coluna diária.

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