Colunas
Intimidade
Eu ando e ando por calçadas vazias. E é tão vazio tudo. Tímido é o sossego dos meus passos. Tímido é o barulho da chuva que sequer quebra o silêncio. Só não é tímida essa dor que consome o peito e as vísceras. Intimida essa ansiedade em querer que essa página vire e que o livro não termine nela.
Pior do que a calçada vazia é a minha casa vazia. Pior do que a casa vazia é a minha cama vazia. Pior do que a minha cama vazia é o meu peito sem ninguém. Tenho necessidade de estar encantado. Para cumprir a vida exijo de mim mesmo inspiração. Onde colho? Onde acho? Tenho certeza de onde não encontro.
Tenho medo de ficar louco. A loucura que me é vã não me assusta. Chamo-a para dançar comigo na chuva do chafariz da praça. Rio. Não faz rio a água que sai daqueles canos teatrais iluminados por luzes artificiais. São azuis? Vermelhas? Cinzas, não! Não sei. Quais são as cores para entender? Pergunta a música do meu desafeto destino. Afeto também pode ser o ódio.
Queria tanto ser estrela. Queria que quem me visse me sentisse. Ainda que estúpido. Ainda que maluco. Ainda que só. Só enquanto eu for o que quero ser sem ter sido - foi. Suspiro. Transpiro. Borboleta de jasmim. Carmim. Floresta. Céu ou só véu do céu sem ser nuvem.
Não quero ser louco. A cabeça dói não mais que o peito. Mas sua dor me assusta. Tenho medo de que a lucidez me falte. Tenho receios de que neuroses se acumulem em mim. Meu espírito não admite envelhecer. O que vejo quase ninguém vê! Mas se a insanidade não existe em você, logo louco nunca será? Sossega a alma com respiração pausada.
Caminho sozinho pelas ruas, quando a cama me chama para descansar. Mas eu odeio ir dormir, ainda que não goste de acordar. Desperto. Intimidade. É o que procuro! Intimidade.
Intimidade é essa vontade de construir junto e se adaptar sem perder a individualidade. É aceitar as diferenças, mas afluindo. São todas essas peripécias muito simples do cotidiano que agita e faz barulho nos minutos das horas. É a espera que a porta abra e você se sinta seguro na caminhada constante e interminável para a plenitude. E, caminhando de sonhos dados - pleno se é.
Quero mais que companhia. Quero laços de entendimento. Convergência que até possa divergir, mas que seja de verdade. Que eu possa conversar com o equilíbrio dos apaixonados, com todos os temores de quem ama. Quero enxergar o mapa de meus devaneios no espelho que reflete o meu rosto composto pela metade que me completa. Não estou inteiro só. Quero ser parte recusando estar partido.
A multidão não entra na minha casa. É avassaladora essa presença de algo ausente. É vazio que clama para transbordar preenchido. Eu estou precisando de intimidade. De ser devorado em devoção e devotar a paz dos que compartilham.
Se tudo fosse como eu quero... Seria tão óbvio, ainda que recuse o que é fácil. Mas não é como eu quero e é bem mais que difícil. Não posso cansar, dou a mim o verbo insistir quase que teimar.
Intimidade. Essa mágica que se faz entre duas pessoas que se entendem pelo olhar e se conhecem pelo tom de voz. Pacto de dizer o que tem que ser dito sem a educação de quem usa a polidez só a fim de manter um ritual social. Verdade rasgada. Entrega consumada cotidianamente na decisão de apenas dormir, cantar ou dançar na madrugada. Testemunhar existência. Compartilhar. Conviver.
Cumplicidade.

Wanderson Nogueira
Observatório
Jornalista, cronista, comentarista esportivo, já foi vereador e agora é deputado. Ufa! Com um currículo louvável, o vascaíno Wanderson Nogueira atua com garra no time de A VOZ DA SERRA em Observatório, sua coluna diária.
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