Estranhos

sábado, 16 de junho de 2018

Felicidade é algo que se experimenta para se perceber depois. E na estrada da vida as paisagens vão ficando no retrovisor e o que era lindo fica apenas na lembrança de que foi visto, mas não vivido. A intensidade das coisas fica no que poderia ter sido e o que foi acaba não sendo tão espetacular como poderia ter sido. E é assim com as paisagens, é assim com os momentos, é assim com os rostos que acumulamos no passageiro passeio que nos limitamos a fazer por cada ser.

Seria tão bom se sempre estivéssemos rodeados pela festa e nunca sufocados pela solidão, mesmo que metidos na multidão. As pessoas se querem, mas se afastam. As pessoas não querem ficar sozinhas, mas se isolam. Temos, muitas das vezes, as melhores pessoas ao nosso lado, mas preferimos só a nós mesmos. Não há crueldade alguma na solidão. A crueldade mora na escolha de quem apenas quer ficar sozinho. Se é estranho pra você, também é estranho pra mim. E tudo se resume as nossas escolhas.

Somos estranhos nesse imenso ninho chamado mundo. Estranhos uns aos outros. Estranhos por nossas atitudes e escolhas. Estranhos por nossas percepções tardias e intensidades falhas. Estranhos por ter medo e coragem demais. Estranhos por evocar a dialética em tudo. E estranhos nos amarramos a um emaranhado de arames farpados costurados a saliva e literatura pobre, tentando entender de tudo quando até o destino é um estranho pra nós. Um estranho divertido, diria eu. Um estranho que estranhamos por nunca se apresentar e sempre sair sem ser convidado a se retirar.

E a felicidade existe, mas só se percebe que ela esteve ali quando se sente falta dela. E assim, se é feliz sem saber e se é triste consciente e intensamente. Isso também se torna estranho pra você? Certa vez, um jovem que não me lembro bem o nome me disse não sei bem quando e onde e não exatamente com essas palavras: quando você está no carro da sua vida você tem os espelhos menores que refletem o que está ficando para trás. Os retrovisores. E à sua frente você tem um grande vidro que lhe serve para observar todos os lados e as curvas da estrada que se impõem. Os retrovisores são pequenos e o vidro da frente bem maior. E os tamanhos desproporcionais não são por acaso.

De vez em quando, disse ele, olhe para os retrovisores, mas não se esqueça que o futuro é grandioso, tanto quanto imprevisível, por isso o vidro da frente é bem maior. Para que você não se perca, para que você possa estar atento ao que vem, para que você possa observar mais e ter uma perspectiva maior. O passado lhe ajuda, lhe guia, mas se você só olhar para os retrovisores, fatalmente perderá a direção, portanto preste mais atenção no vidro da frente, mas não deixe de espiar atrás, vez e quando, para sua própria segurança. E assim, através da teoria do jovem que não me lembro o nome, fico a pensar o que tenho e temos feito das nossas vidas. O quanto temos guiado nossos destinos? Eu nunca fui muito propenso ao absolutismo concreto, sou mais abstrato e aberto, mas ele pode ter razão...

Se ficar parado ou só olhando para trás, teorizando o passado, a estrada da vida te engole. Antes de ser mastigado, prossiga. Assuma os riscos das suas decisões, decida. O destino não pode ser apenas esse menino travesso que lhe impõe suas brincadeiras. Chame o menino no canto, ainda que seja um estranho, e, imponha também as suas brincadeiras.

O fato é que a gente conversa muito pouco com a vida. Por fim, acabamos vivendo muito pouco a vida. A felicidade vem e vai e só nos damos conta de que ela veio quando já se foi. Se fôssemos mais atentos, mais perceptivos... Ah! A vida seria palhaça e o mundo seria um animado circo voador. Mas tudo isso é tão estranho. Talvez sejamos todos desconhecidos. Que nos apresentemos uns aos outros, que nos apresentemos ao destino e a Deus e ao mundo e a vida! Estranhos com nome e sobrenome, ávidos por viver e contentes pela felicidade que nos é concedida, mesmo que só a percebamos ao olhar para o retrovisor. Se soubéssemos olhar pelo grande vidro da frente... Nenhuma paisagem, nenhum rosto passaria despercebido. Nenhum momento, nenhuma alma pareceria estranha. Ainda sou um estranho pra você?      

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Wanderson Nogueira

Wanderson Nogueira

Observatório

Jornalista, cronista, comentarista esportivo, já foi vereador e agora é deputado. Ufa! Com um currículo louvável, o vascaíno Wanderson Nogueira atua com garra no time de A VOZ DA SERRA em Observatório, sua coluna diária.

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