Colunas
Chegadas e partidas
O tempo corre como um velocista desejoso pela linha de chegada. Olho para a face de meu pai, para os olhos de minha mãe, para as minhas mãos e sinto então que a juventude rapidamente envelhece e a infância nos é roubada a cada segundo que passa. É o trem da vida voando pelos trilhos da estranha poesia do mundo.
Incompreensível e frenética, a estrada zomba de nossos passos, mesmo que estes fincados estejam e vai... vai sumindo embaixo de nossos pés, deixando pra trás paisagens, pessoas e sonhos; bagagens abarrotadas de ideias, ideais, lembranças... A estrada da frente parece grande, mas a cada instante se torna menor, ao ponto em que amanhã, a estrada deixada será maior do que a que vem à frente.
Escapando pelos nossos dedos, o tempo esvai numa sinfonia dramática, mas pura e macia na maioria de suas notas, trazendo a paz encoberta pelo véu da doce ilusão de que enquanto vivo se é imortal.
As estações vão passando e em cada uma delas uma pessoa fica e acena o adeus para quem segue. Assim, os sonhos vão ficando e brotando ao longo da jornada. Também vão ficando as lágrimas e os sorrisos que se transformam como a pele que sempre nos lembra que a roupa está sendo usada. O tecido vai perdendo a firmeza. No espelho, os cabelos são a mostra clara de que algo está acontecendo. E não dá para mentir pra si mesmo quando a verdade bate à sua porta e escancaradamente mostra que não há sentido em viver só, pois mesmo que a dor de se perder alguém não tenha cura, é doído viver sem ter o delicioso medo do tempo que está correndo. Sendo assim, nenhum momento pode ser desperdiçado, por isso tão intenso e saboroso o é.
A vida está acontecendo, a história está em construção, sem intervalos, sem possibilidade de se passar por cima ou pular um capítulo e outro ou pegar um atalho e desviar das curvas mais tortuosas. Elas também têm que ser transpassadas. Os anos estão passando e as coisas estão se transformando.
E, enquanto envelheço, o choro do bebê que nasce se confunde com o choro daquele que vê o outro partir. No papel do presente que abro vejo o futuro, mas dentro da caixa me divirto é com o passado.
E o trem da vida continua a voar... Tenho medo da estação em que terei de aportar. Ah! Se pudesse, prolongaria a viagem ao máximo e continuaria nesse trem... Mas compreendo que assim como começa no choro, a viagem também termina em choro e não quero que só eu tenha que ver os outros acenarem dando adeus. Em dado momento, também quero dar o meu aceno.
Todos os dias, eu observo atento às minhas mãos. Assusto-me ao comparar o rosto dos meus pais com as fotos do tempo em que eu era só um menino. O tempo correu como tivesse que cruzar uma linha de chegada. O tempo talvez só esqueça que nessa corrida aqui, não se cruza uma linha de chegada, mas rompe-se uma faixa de partida. Envelheço. Envelhecemos para renascer em nós mesmos. Cada momento é um privilégio e cada segundo é um milagre. O passado é um presente que abro no futuro. Ansioso e ao mesmo tempo temeroso, deixo o trem da vida seguir pela poesia do mundo que a cada dia se torna menos estranha para mim, afinal é chegar e partir.
Wanderson Nogueira
Observatório
Jornalista, cronista, comentarista esportivo, já foi vereador e agora é deputado. Ufa! Com um currículo louvável, o vascaíno Wanderson Nogueira atua com garra no time de A VOZ DA SERRA em Observatório, sua coluna diária.
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