Colunas
Casa vazia
Todas as coisas estão em seu devido lugar. Não há ninguém para movê-las de onde deixei. A mesma marca de garrafa na mesa, os mesmos papéis com os mesmos rabiscos sobre a escrivaninha, a mesma poeira acumulada na estante de livros esquecidos. Tudo intacto, devidamente organizado em minha bagunça. Como queria ter a desordem em minha bagunça.
A gente pede silêncio e se o silêncio invade irrita a nossa alma, porque nosso interior pede tumulto, aquela sacudida na nossa calmaria, aquela intromissão do incerto que aconselha, tanto quanto nos leva a certos erros. A casa está vazia, a sala está quieta apenas com as vozes da televisão. As paredes do quarto parecem infinitas... Cadê a festa? Cadê a briga? Cadê o pedido de silêncio? Cadê a educação e a falta dela? Onde está a preocupação com o passar das horas com aquele que ainda não voltou no seu habitual horário? Peço confusão, porque a solidão me perturba. Imploro por preocupação, porque não sei viver sozinho. Quem sabe?
No taco apenas os meus passos caminhando para a velhice que cada vez chega mais veloz. Ninguém para me trazer biscoitos. Ninguém para eu pedir para passar o café. As multidões das ruas não entram pela porta da minha casa e quando parte delas entra, não dormem ao meu lado. Dão olá, riem comigo, lêem o jornal em que estou, mas logo dispersam... Vão! Não ficam! Não sei o que deixam. Essa vontade de querer que fiquem? Talvez.
O lado de fora está cheio, ainda que longe de ser repleto. Tenho vontade de gritar antes de dormir. Quero ficar mais um pouco. Está frio. Quem fica comigo? Quero te dar a mão. Chama para dançar! A música parou. A dança acabou. A luz acendeu. Educadamente expulsos. Vida real. Cada um para a sua casa e o que cada um leva para casa? Viva o egoísmo! Elimina do rosto a depressão, ainda que todos, absolutamente todos precisem de terapia. Tira a fantasia, pode até carregá-la debaixo dos braços, mas em casa você não entra fantasiado. É você com você mesmo sem reticências. É você com ponto final, ainda que esse ponto possa insistir em ser interrogação ou exclamação - é ponto final. Que ponto final eu sou?
Sempre quis a deliciosa liberdade de estar sozinho. Foi assim que descobri que a melhor liberdade que existe é a de poder ser escolhido e escolher alguém. Dividir para multiplicar e correr todos os riscos, rir todos os risos, chorar todas as lágrimas, se entorpecer de todas as discussões e do silêncio que vem depois delas. Pode parecer piegas, clichê, mas é a verdade – a gente tem saudade do que já não tem mais. Da comida de mãe, do abraço de pai, da briga com a irmã, do beijo da namorada. Do controle da televisão, do volume do rádio, do melhor lugar do varal. A paz de uma casa vazia é o inferno de dormir solitário.
Wanderson Nogueira
Observatório
Jornalista, cronista, comentarista esportivo, já foi vereador e agora é deputado. Ufa! Com um currículo louvável, o vascaíno Wanderson Nogueira atua com garra no time de A VOZ DA SERRA em Observatório, sua coluna diária.
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