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Zuzu, a mãe leoa
Estou com o livro de David Massena nas mãos, Zuzu, editado em 2019 pelo autor, e belissimamente ilustrado por Rodrigo Macedo. Fazia tempo que queria escrever a respeito dessa obra, que aborda um tema que marcou o final de minha adolescência e o início da vida adulta: a incansável busca de Zuzu pelo seu filho Stuart Angel Jones, desaparecido, torturado e morto, na época da ditadura militar, bem como a trágica morte dessa mulher. Mesmo compreendendo que o momento histórico que vivemos hoje é outro, aqueles fatos tocaram uma geração e ainda me sensibilizam.
O livro Zuzu pousa em mim porque também sou mãe de um filho lindo que não mais está entre nós. Conheço esta imensa dor que é insaciável no peito de uma mulher que tem que viver, sorrir e lutar, mas não consegue deixar de conviver um só instante com a falta de alguém que ela gestou, amou e fez tornar-se pessoa.
David, bom amigo e vizinho, por quem tenho afinidade e admiração pela sua capacidade criativa e intelectual, escreveu com delicadeza e coragem a história de Zuzu para crianças. Encarou este desafio, contando, através da fábula e da poesia, a luta de uma mãe em busca de seu filho, transpondo para o cenário da floresta os fatos, os sentimentos maternos e o assombro de uma geração.
Através da fala de um besouro narrador, a história da leoa Zuzu se utiliza de uma linguagem lúdica, condizente com a faixa etária infantojuvenil. O pensamento deste leitor navega pelos âmbitos do imaginário, inclusive o do adolescente, que entende os fatos com mais facilidade através da personificação de objetos e animais do que a partir da realidade, muitas vezes difícil de vivenciar. A criança, principalmente, e o jovem conhecem o mundo através da visão fantasiosa, até porque seus processos cognitivos são mágicos; eles mesmos preferem acreditar que possuem poderes sobrenaturais a perceberem-se como seres frágeis. Eles precisam se sentir poderosos para conhecerem e compreenderem a realidade feita de tantas bondades e crueldades. Ah, a literatura não pode suprimir a dor, a perda e o medo do universo infantojuvenil, uma vez que somente desta forma audaciosa de constituir-se, cumprirá sua função.
Ah, somos protagonistas da nossa vida, que é uma história enredada a cada dia que vivemos. Tendo contado com outras histórias, podemos lidar melhor com a nossa porque todas as histórias, de alguma forma, têm a ver com a nossa. Não trazemos varinha de condão nos bolsos, nem a vida tem a beleza do caleidoscópio.
A mãe leoa, de aparência bonita, elegante e vibrante, animal importante para os bichos floresta, carregada de alegrias e inventividades, de repente se depara com a maldade, a falta de liberdade e a discórdia. Mesmo por lutar para não deixar a tristeza invadir aquele seu reino de paz, a leoa não pode evitar que um ser poderoso fizesse a floresta escurecer, os animais se calarem e cair um vento de assustar. O povo da floresta foi preso, morreu e emudeceu. E, assim, desapareceu o filhote de leão. Zuzu chorou, procurou por seu filho querido, andou pelos quatro cantos da floresta e não conseguiu informação. Não se aquietou; conversou com a lua, o vento, com o sol e com a chuva. Os animais se uniram, buscaram-no em todos os caminhos. As mães se abraçaram, enfrentaram a maldade. Mesmo assim, a ruindade fez Zuzu Leoa desaparecer. A floresta chorou. E o dia amanheceu sem querer acordar para a triste partida.
Lá, no céu estrelado, a floresta comovida viu Zuzu seu filhote abraçar e acenar para a liberdade, que pode ser obscurecida, porém jamais perdida.
O processo de escrita não é mágico. É trabalhoso e exaustivo. É engenhoso como a construção de uma edificação que precisa de tempo para planejamento, execução, correção de erros e aperfeiçoamento. Nosso David foi um empreendedor das próprias ideias e palavras nesse seu livro sensível e articulado com os fatos de um momento histórico que marcou a vida de tantos, como a minha. Sua obra tem grandiosidade pela sensibilidade com que aborda a mãe, a mulher e a comunidade em torno que sofreu com os acontecimentos criminosos, causa de tanto repúdio.
Parabéns pela sua coragem. Aliás, coragem é uma palavra que significa agir pelo coração. Ou seja, David escreveu o que minha geração e eu gostaríamos de ter feito.
Que Zuzu seja sempre reverenciada!
Tereza Cristina Malcher Campitelli
Momentos Literários
Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.
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