Universos distintos e parceiros

Vez ou outra, leio ou escuto que a pedagogia e a literatura são instrumentos. Eu mesma já as caracterizei assim, inclusive nomeei títulos de oficinas literárias que realizei desta maneira, Literatura e educação: instrumentos de transformação. Mas, depois de tanto me debruçar sobre elas, comecei a me perguntar a forma como deveria designá-las.  Tal questão começou a me rondar quando fiz dois seminários de literatura infantojuvenil na UFRJ, organizados pelo curso de letras, uma vez que os professores distinguiam com veemência a literatura da pedagogia, delimitando seus propósitos e caminhos. Os debates me mostraram com nitidez que a literatura é arte e tem a finalidade de revelar a vida através da composição de textos escritos em prosa ou verso, e a pedagogia faz parte das ciências humanas e tem o propósito de promover o desenvolvimento humano através da educação.

Hoje me pergunto como vou identificá-las e confesso que ainda não sei. Apenas construí a certeza de que não são instrumentos, uma vez que instrumento significa o objeto que serve para fazer um trabalho, medição ou observação. Pode ser também conceituado como um meio de levar a efeito uma ação. Ah, nem a literatura, nem a pedagogia não levam ninguém a lugar algum, muito menos não podem ter a finalidade moldar pessoas como se faz com os materiais. A palavra instrumento pode ser metafórica, entretanto, de qualquer modo, refere-se à objetos, e os seres não devem ser coisificados e, assim, reduzidos.

É impossível pensar nesta questão sem mergulhar nos princípios da ética porque a pedagogia é construída a partir da intenção de apontar para as melhores formas humanas de existir, isto é, os modos de ser e de fazer, segundo um ponto de vista social, econômico e cultural. A literatura é elaborada a partir da intenção estética de mostrar a existência em todas as suas expressões, tendo em vista o respeito à vida a partir de uma dimensão temporal e espacial.

Ambas vão muito além do conceito de instrumento. Confesso que ainda não tenho palavras para caracterizá-las, pois seus âmbitos oferecem verdadeiros universos de possibilidades. São áreas da atividade humana mutuamente parceiras: a educação não prescinde das contribuições da produção literária, nem a literatura, dos valores pedagógicos. Ambas são campos fertilizados por nutritivas sementes.