Universidade Nélida Piñon

segunda-feira, 23 de setembro de 2019

O Clube de Leitura Vivências, organizado por Márcia Lobosco, que acontece todas as terças-feiras, na Academia Friburguense de Letras, nos ofereceu uma experiência enriquecedora com a leitura de “Uma furtiva lágrima”, da acadêmica Nélida Piñon. O livro reúne textos através dos quais a autora se debruça sobre seu extraordinário passado, mostrando os meandros e as reticências da sua alma em detalhes. 

É necessário lê-lo com caneta nas mãos para sublinhar as palavras audaciosas que revelam, frase por frase, um quotidiano vivenciado com plenitude e criticidade. Nélida se apresenta como ser múltiplo, capaz de narrar com beleza e inteligências as vivências que foi incorporando ao longo dos seus dias, sendo, acima de tudo, primeira pessoa; em cada capítulo fez questão de apresentar-se assim. Por ser primeira pessoa, demonstrou a necessidade de compartilhar as impressões que fez sobre sua vida, vivida ao extremo. Livre e diversificada.

Somos narrativos: temos linguagem e falamos a delicada língua portuguesa. Nélida, enquanto ser humanamente literário, fez questão de afirmar que a narração está no sangue que corre em suas veias, que leva sua história, sendo, acima de qualquer prisma, um universo de sentimentos e reflexões. Ao ver-se ante a enfermidade grave e a efemeridade da vida, fez incansável esforço para desvendar os mistérios da sua existência e da de todos nós. Será essa obra um aceno de despedida? Uma confissão dos segredos e das sensibilidades que sua alma culta guarda? Certamente, foi um modo que encontrou para enaltecer e abraçar as civilizações que o mundo acolheu. As páginas desse livro, além do mais, poupam Nélida de falar, talvez ela tenha sentido a necessidade de armazenar energias.

Nélida é Descartes, penso, logo existo. Assim, ela enfrenta sua enfermidade, escrevendo a respeito dos seus segredos e impressões.  Quem não os tem? Quem consegue mostrá-los com sabedoria e imaginação? Ah, sua vida é povoada de vida e mais vida porque ela tem firmamentos sob os pés. Pés femininos. Quem dessa forma se ergue precisa escrever com solidariedade ao sofrimento da mulher que, no século XXI, a cultura ainda a obscurece de modo cruel. 

Mesmo evitando ter contato com tragédias, Nélida a elas se refere com beleza, uma vez que sabe fazer arte literária com o talento dos mestres. Ela reconhece que os tentáculos do mal inibem suas possibilidades de imaginar, principalmente porque o quotidiano está pincelado com tantas crueldades, e cada um de nós tem, de alguma forma, responsabilidades pelas existentes. Ah, às vezes, como é impossível evitar que as maldades passem pelas paredes da nossa casa. 

Entretanto há a família, os amigos, os animais que tanto bem nos proporcionam. Entretanto há o Brasil, nossa terra, nossa gente que tem brasilidade na fala e no olhar. A vida tem várias formas de nos deleitar.

O livro de Nélida tem infinitos ensinamentos; cada capítulo é um curso universitário da vida.  Sinto-me, portanto, motivada a escrever páginas sem fim. Ao lê-lo, a cada frase, sou gente um pouco melhor e quero usar minhas palavras para dizer-me. Criá-las, talvez.

 

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Tereza Malcher

Tereza Cristina Malcher Campitelli

Momentos Literários

Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

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