Uma rosquinha charmosa e gostosa

quinta-feira, 23 de março de 2017
Foto de capa

Nunca pensei, para ser sincera, que um biscoito pudesse ser biografado. Tratado, assim, como gente. Mas essa biografia tem suas razões de ser. Aquele biscoito de polvilho salgado e doce faz parte da vida do carioca. Apesar de adorar Friburgo e praticamente viver aqui, sou carioca e devo confessar que sinto orgulho de sê-lo. Carioca leva a cor azul do céu no coração. Carioca gosta de andar de sandálias Havaianas na rua. Carioca gosta de comer biscoito Globo. Ah, esse biscoito que faz crock, crock na boca está em muito do que contamos, tem ares da praia, agito de partida de futebol, gosto da descontração. Tem a voz do povo do Rio de Janeiro, a bela cidade que não poderia deixar de ter um biscoito bacana.

Falou em biscoito Globo, falou do Rio. E vice-versa.

Mas ninguém sabe, na hora que está lá saboreando a rosquinha de polvilho esfarelada, da história que o fez. Uma história bonita; de trabalho e sobrevivência. Sobretudo, de amor. Esse biscoito foi feito por mãos que aprenderam a gostar de massa delicada, de um fazer em cozinha de padaria, que tinham jeito de deixá-la macia e sentir com sutileza o ponto. Ah, o ponto! O feeling de sentir que a massa precisa de um minuto a mais de ser trabalhada ou de aquecimento. Enfim, não adianta consultar o melhor livro de receita, nem assistir ao mais completo programa de culinária se não há essa percepção essencial que está, posso dizer, na alma do cozinheiro. O biscoito Globo teve esse mérito, a bem aventurança de ganhar donos assim que a aperfeiçoaram ao colocarem afeto no cozer.

Esse biscoito de sabor delicado, talvez o mais simples de todos vendidos cidade afora, conquistou tamanha popularidade e tornou-se o biscoito do povo. Ah, falo isso de cadeira. É um biscoito de gente que anda na rua e quer ser feliz. Que está na praia e quer tapear a fome. Este biscoito Globo traz alegria. Ainda escuto claramente o vendedor batendo o pino na madeira gritando e entonando “Ó o Globo!, como um berrante.  Se eu viver cem anos, vou me lembrar desse som único. Um som que me faz sorrir e piscar os olhos de saudades.

Ó, o Globo: a história de um biscoito é um livro que tem curiosidades. A primeira delas é que a ideia de Ana Beatriz Manier nasceu numa oficina literária, na Estação das Letras, grande escola de escritores. Num simples exercício, enriquecido por ideias e comentários. Uma obra da literatura bem pertinente à vida do carioca ou do brasileiro para melhor dizer que está acostumado às rosquinhas de polvilho. De saber que elas não surgem à toa no meio dos carros, na beira do mar ou nos estádios de futebol. Que elas têm passado, cujos autores, quer dizer, seus padeiros, experientes cozinheiros, entregaram suas vidas ao fazer do biscoito. É uma história que se funde com a história do Brasil, Portugal e Espanha. Com as das cidades de Franca, São Paulo e Rio de Janeiro. Com as das famílias Ponce e Torrão.

O livro foi uma ideia simples e criativa. Acima de tudo, inteligente. Que, certamente, vai colaborar para o enriquecimento da cultura do Rio de Janeiro. Inclusive, a história da culinária está a tal ponto entrelaçada com a de um lugar que, através dos alimentos e dos relativos fazeres, sabe-se da história do seu povo.

Parabéns, Ana Beatriz!

Ah, tem Biscoito Globo em Friburgo!

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Tereza Malcher

Tereza Cristina Malcher Campitelli

Momentos Literários

Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

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