Colunas
Uma casa que nasceu para ser livre
Vou tomar posse da Academia Friburgense de Letras em 12 dias. Hoje é domingo, dia 8 de janeiro de 2016, e estou me preparando para um casamento. A ideia é essa. Casar. Poderia dizer outro verbo como liderar ou amigar. Mas penso em casar. Casar significa olhar. Certa vez, li que uma tribo africana de nome Umbudu, povo originário das montanhas centrais de Angola, dizia mais ou menos assim: um ser só ganha existência quando é olhado por outro. Não me lembro exatamente as palavras usadas. Mas a ideia era essa.
Casar é assim. Casa-se porque os olhos deram existência a alguém e, por alguma razão, esse olhar despertou o sentimento de amor. Muito simples. A Casa de Salusse, que fica em frente à Praça Presidente Getúlio Vargas, despertou em mim esse sentimento pela sua simplicidade. Não tem imponência. Até sinto a impressão de ser uma pequena grande casa; pequena pelo seu tamanho e grande pela vida acadêmica que acolhe. A começar pela sua história que surgiu em 1947, quando todos ainda estavam tocados pelas dores da segunda guerra mundial.
Uma amiga minha, a Lila Maia, sempre me diz, a literatura salva. Talvez este sentimento seja um dos que moveram doutor Rudá Brandão de Azambuja e o professor Messias de Moraes Teixeira a criarem uma academia livre, um lugar de criatividade e paz, sem paredes, portas e janelas, que começou nos bancos da Praça XV de Novembro, hoje, Presidente Getúlio Vargas. Acredito que tenha nascido, também, decorrente da vontade de fazer engrandecer a vida cultural e literária da cidade; eles queriam que a arte fosse a maestrina do desenvolvimento de Nova Friburgo através da educação, da sensibilidade e do poder das palavras. Tanto é que o lema a ela atribuído foi CULTUAR A ARTE É SUBLIMAR O ESPÍRITO. Tanto é que a academia existe há setenta anos, sem nunca ter fechado os olhos para a cidade.
Realmente, a literatura salva porque é um caminho de crescimento, de ideias e de luz. Um livro na cabeceira, lido aos poucos, todas as noites, modifica o pensamento. Ah, as palavras são contundentes. Se elaboradas e refletidas, dão sentido a tudo e indicam caminhos. Quem tem a capacidade de usá-las, seja nas formas verbal ou escrita, influencia as pessoas. Transforma o ambiente. Faz a evolução humana acontecer. Certamente, com esse pensamento, eles quiseram cuidar da nossa cidade, sempre inspiradora, que teve seu início numa lenda, num personagem, quiçá romântico e aventureiro, o Mão de Luva. Nova Friburgo respira literatura. Desbravamento. Conquista.
Enfim, foi tão bem escrever estas poucas linhas que abriram os olhos mágicos da minha alma. Quero conduzir a academia com meu olhar, até porque é uma Casa observada pelos friburguenses, pelos escritores de todas as idades que aqui vivem e convivem, que mergulham em suas ideias e contam histórias, fazem poesia e pesquisam. Escrevem.
Assim, não me vejo como presidente. Quero ser Tereza. Uma pessoa que viveu mais de sessenta anos para ter a responsabilidade de continuar a vivificar a Casa de Salusse. Livre. Leve. Criativa. Suave.
Tereza Cristina Malcher Campitelli
Momentos Literários
Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.
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