Títulos e querubins

segunda-feira, 09 de julho de 2018

Os grandes obstáculos do parir um texto é criar um título instigante e inédito, sem conveniências e preconceitos. Talvez seja possível encontrá-lo nos avessos das ideias que sustentam o escritor em sua construção. Talvez seja necessário buscá-lo nas entranhas do seu autor. Ou na loucura dos labirintos do inconsciente coletivo.

E, cá, estou eu, embasbacada entre as reflexões sobre o que é um título. Coisa difícil de definir porque um título pode ser de todo sedutor e pode ser a expressão mais abominável de um texto. Pode ser um arco-íris ou um pedaço de ideia encaixada, certinho e certinho, no lugar mais comum. Não quero buscar definições formais para falar a respeito. Apenas tenho a certeza de que os títulos não decorrem de receitas, tais quais as de bolo.

Título é nome. Todo nome caracteriza o que nomeia. Ah, como Lacan foi sábio ao descrever a força e a determinação que o TU ÉS possui. O título, da mesma forma, caracteriza um texto e pode até definir a vida que terá nas mãos do leitor. Até porque cada texto é uma causa que toca o leitor que lê para preencher seus vazios. Somos feitos de hiâncias. Constituídos pelos espaços entre o que somos e não somos, o que temos e o que não temos. Pela força dos desejos. Esta é a razão da existência do escritor; seus títulos sempre emanam impetuosamente dos seus abismos. Os grandes títulos são explosões de suas ideias que seguem mundo afora como fluídos, tal qual o O Pequeno Príncipe, Dom Casmurro, Mar Morto, Ulisses, Chapeuzinho Vermelho, A Bolsa Amarela, Os Miseráveis, Crime e Castigo.

Apesar de não gostar de usar a expressão “bom texto”, entretanto vou usá-la com todo o cuidado para dizer que um bom texto é eterno e possui atualidade em qualquer época, cujo título carismático é atraente. Forte. Insinuante. Não é uma cortesia, muito menos um adereço que venha enfeitar uma história ou uma crônica, por exemplo. Nem um penduricalho ou um brinco das ideias. O escritor não pode cair na cilada de criar um título para competir com tantos outros numa banca de livraria. Se assim o fizer, é porque seu texto é obsoleto, fundamentado em motivações esdrúxulas. O título, a meu ver, tem que ser metafórico e revelar a profundidade da obra. E ser, ao mesmo tempo, convidativo, capaz de despertar no leitor a vontade de viajar pelas suas páginas, desvirginar suas frases, mergulhar em seus sentidos. A intenção de tornar-se uma pessoa melhor. Como Shakespeare sabia disso!

É possível um escritor precisar de anos para encontrar um título que tenha a coragem e a paciência dos querubins. Afinal de contas, cada título cuida da obra que nomeia, enquanto guardião das ideias que guarda.

  

 

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Tereza Malcher

Tereza Cristina Malcher Campitelli

Momentos Literários

Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

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