Colunas
Quando os poetas morrem
Pouco conheci Dirce Montechiari, mas gostava dela pela simplicidade e brilho nos olhos. Sua partida deste mundo me tocou e me fez pensar o que acontece a nós quando um artista morre. Não podemos ser indiferentes com as pessoas que coexistem conosco, principalmente os artistas que encontram modos fora do nosso comum para falar do nosso existir.
Certa vez, em Inhotim, adentrei um salão escuro que tocava a música, cantada por Frank Sinatra, “Night and Day”, que repetia apenas o refrão. Na parede frontal do salão havia um telão imenso em que mostrava a parede de um túnel, vista pela janela de um trem em velocidade, que também se repetia, em preto e branco. Até hoje não me esqueci daquela obra de arte que, em poucos instantes, me disse tantas coisas sobre a passagem dos dias, que se repete e repete, e que não para nunca. Se, por ventura, alguém me dissesse isso numa conversa, entraria por um ouvido e sairia pelo outro e acharia um comentário clichê, talvez desnecessário. Mas a linguagem utilizada pelo artista não me sai da memória e penetra nas minhas entranhas e me faz sentir que não posso deixar o quotidiano se tornar avassalador.
Poderia até arriscar a dizer que aquele salão era feito de uma poesia contundente.
Tantos poetas já morreram, mas deixaram palavras, expressão de seus afetos e percepções. Tenho uma amiga que todos os dias acorda e declama, de pé e em voz alta, uma poesia, trazendo à vida aquele ser que registrou, por querer ou sem querer, no tempo e em arte, o seu pensar. Existência, todos nós temos. Mas os poetas, Ah!, os poetas, têm algo a mais. Seus sentimentos têm a sustança de quem absorve a vida e se alimenta do elixir das pessoas; os olhos, o tom da voz, o trejeito das mãos são reveladores. As pessoas. Nós. Não são feitas de cimento, nem têm paredes e laje. Embora, muitas vezes, assim se pareçam. Os poetas têm percepção aguçada e não sei se necessário é estarem no centro da cidade, como uma ilha, sentados em bancos com papel e caneta nas mãos, cercados de sinais de trânsito, esquinas e gente correndo por todos os seus lados, apenas para registrarem, no que é de mais banal, a essência das coisas. Eles não precisam, apesar de caírem em desvarios como bolas feitas de meias rasgadas. São solitários solidários. Escrevem nos versos o que nos sustentam para encontrarem um pouco de amparo.
Escrevo isso porque não sou poeta e gostaria de sê-lo. Quem sabe um dia... Quem sabe.
Por isso, fiz questão de fazer uma breve homenagem a todos os poetas que partiram. Eles não morrem. Ficam nos acolhendo nos poemas, mesmo quando brincam e fazem graça.
Somos acolhidos por eles.
Tereza Cristina Malcher Campitelli
Momentos Literários
Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.
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