Quando meus espelhos d'água choram, a poesia de Cora Coralina me toca

segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

Sou Friburguense de alma e carioca de nascimento. Tenho elos afetivos fortes
com estes lugares, onde vivo, e não posso me calar quando os vejo sofrendo de maus
tratos.
Hoje, de tamanha indignação, peço permissão ao meu leitor para falar a respeito
dos meus espelhos d’água que estão sofrendo. Meus espelhos refletem o sol, a lua e
as luzes da cidade. Minha Lagoa Rodrigo de Freitas mostra a beleza da natureza,
como o meu rio Bengalas enfeita Friburgo. Os dois espelham a vida. São poesias
inspiradoras que tocam a alma dos poetas e trovadores
Entretanto estão poluídos. Maltratados. Os versos de Cora Coralina do poema
“Aninha e suas pedras” mostram o lamento que todos nós sentimos quando vemos
suas águas, que são nossas, poluídas.
“Não te deixes destruir...
Ajuntando novas pedras
E reconstruindo novos poemas

Recria tua vida sempre e sempre
Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça.”
Passei a vida em torno dos meus espelhos d’água. Meus olhos de criança
guardavam imagens da lagoa antiga e das margens floridas do Bengalas. Meus olhos
de mãe viram meus filhos admirar seus leitos. Meus olhos, quando tristes, repousavam
sobre suas águas, buscando acalento, Meus olhos tranquilos sobrevoavam seus
espelhos quando o sol da manhã se fazia brilhar. Meus olhos apaixonados viam a lua
ficar esticada sobre suas águas.
Presenciei tantos pores-do- sol nas avenidas que ladeiam o Bengalas e nas
margens da minha Lagoa. Mas quando vejo a poluição, quero gritar, encontrar um
modo de expressar um imenso mal estar e aí, encontro a doce Cora Coralina.

“Esta fonte é para uso de todos os sedentos.
Toma a tua parte

Vem a estas páginas
E não entraves o seu uso
Aos que têm sede.”

O que posso eu fazer para protegê-los? Se minha bandeira são as palavras, vou
usá-las para afastá-los de tanta maldade que começa com a cegueira de não
conseguir ver, mesmo com os olhos abertos, a simplicidade da natureza que tantas
vidas acolhe.

“Sou aquela mulher
a quem o tempo
muito ensinou.
Ensinou a amar a vida.
Não desistir da luta.
Recomeça na derrota.
Renunciar a palavra e pensamentos negativos.
Acreditar nos valores humanos.
Ser otimista”

Assim, ainda vou ver o Bengalas correndo solto e alegre. Ainda vou curtir os
meus espelhos límpidos dançar. Nunca vou desacreditar que os valores humanos
sucumbirão.

P.S.: Cora Coralina amava a Lagoa Rodrigo de Freitas e toda a sua fauna e
flora. Sempre gritou nos jornais quando a via ser agredida. Descuidada.

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Tereza Malcher

Tereza Cristina Malcher Campitelli

Momentos Literários

Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

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