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Ponto final
No sábado, fui assistir ao filme de Woody Allen, Café Society. Gosto do modo bem humorado e sutil com que ele aborda as questões existenciais, fazendo a gente sair dos filmes com ideias que vão se desconstruindo e reconstruindo, mudando paradigmas. Neste filme, como nos demais, a última cena me deixou em suspense, quase boquiaberta, remexendo passados. O final foi exato, sem uma cena a mais ou a menos, Woody Allen deixou para cada um de nós, os espectadores, o desfecho final. Ah, como ele foi brilhante na inteireza do momento e mostrou com inteligência a simplicidade do afeto.
Saber terminar uma história, uma crônica, um miniconto que seja, é um dos maiores desafios do ato da escrita, o que dá ao ponto final o caráter de arte literária. No livro “O Amor nos Tempos do Cólera”, Gabriel Garcia Márquez escreveu um dos finais mais belo da literatura, Sara Gruen emocionou o leitor de “Água para Elefantes” e Victor Hugo finalizou com imensa naturalidade “Os Miseráveis”. São obras inesquecíveis e fazem nossas reflexões se movimentarem. Sempre.
No dia seguinte, comecei a refletir a respeito da delicadeza com que devemos terminar um texto, como esta crônica, por exemplo. O último parágrafo para o escritor tem o mesmo valor que o toque final para o designer. Os artistas cuidam da beleza da obra por inteiro; os designers fazem com que o estilo dos móveis tenha harmoniosa combinação, da mesma forma que os escritores fazem as palavras traçarem cenas de uma história com encadeamento e criatividade. Ambos chegam ao final depois de um processo longo e custoso, levando na bagagem múltiplas tentativas de acertos e erros, ideias pulsantes, silêncios e suspiros. Chegam aliviados neste momento. Entretanto, têm ainda nas mãos a pior das tarefas: finalizar. Um fechamento clichê, óbvio ou mostrando que a felicidade não é efêmera é tão desagradável quanto aquele último detalhe de um ambiente que por pressa, cansaço ou por excesso, o designer arranha nosso olhar.
Então, me remeti a um médico psiquiatra que me disse certa vez: se a morte não existisse não haveria felicidade.
Da mesma forma que somos mortais e temos o direito a findar, a obra artística tem em seu processo criativo um momento final. Tanto para nós como para a arte, as relações de causa e efeito são determinantes; o modo como terminam é consequente de todo o processo construtivo, da visibilidade de compô-la em razão do seu final.
Se somos felizes porque morremos, a literatura nos oferece sustentação ao nosso findar, através dos valores que nos mostra a cada história, nos oferecendo oportunidades para pensar; os finais são relevantes nesta função. Os finais dos filmes de Woody Allen me perguntam: Como estou levando a vida? Qual o sentido das minhas decisões?
O final de um texto não se difere do nosso próprio. Precisamos aceitar a finitude em cada palavra ou momento da vida para vivenciá-la ou empregá-la com plenitude. Ah, mas se a negamos, nos tornamos rançosos. Podemos parecer tocadores de bumbo que saem avenida afora, sem escola de samba e bateria, tocando ao léu. Solitários.
Tereza Cristina Malcher Campitelli
Momentos Literários
Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.
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