Piloto automático desligado

quinta-feira, 04 de maio de 2017
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Hoje, decidi refletir sobre as transformações que o tempo nos faz. O tempo tem magia; tudo com ele se modifica. Mera ilusão. Os magos, somos nós e nem sabemos que somos assim.

A cada momento, a vida vai acontecendo. Quando estamos com o piloto automático ligado, vivendo sem pensar direito no que fazemos, não percebemos as mudanças que acontecem. A gente não nota que o dia amanhece, depois, anoitece e acordamos para um dia diferente. E a vida, desta forma, vai se desfazendo e refazendo. De novo.

Através das cartas, podemos ver essas mudanças. Ao longo do tempo, fomos modificando o modo de nos comunicarmos com uma pessoa ausente de quem gostávamos, conhecíamos ou queríamos conhecer. Que estivesse um pouco distante ou do outro lado do mundo. Nos tempos passados, escrevíamos cartas em papel de seda, envelopávamos e colocávamos nos correios, geralmente repleto de filas. As cartas viajavam de trem, avião e ônibus. Corriam cidades. Eram delicadas de escrever e trabalhosas de enviar. Ah, como davam graça especial à vida.

Hoje, as cartas quase não existem mais. Transformaram-se em mensagens resumidas, com palavras simplificadas e enviadas pelos meios virtuais, este mundo irreal que tanto nos fascina. Quando eu escrevia uma carta, ficava esperando e esperando a resposta que chegava em outra, que receberia, digamos, uma semana depois. Eu me preparava para escrevê-la e recebê-la. Não era tão simples de fazê-la como hoje, quando nos encostamos num muro da rua e escrevemos para um amigo ou dele recebemos uma mensagem. Um amigo que consideramos, às vezes, espetacular no mundo virtual. Mas no real, não mais do que um desconhecido.

O tempo também transformou o abraço apertado em vários toques na tecla do telefone celular. Que pena! O afeto dos braços está próximo a ser substituído pela frieza de um aparelho.

Até os livros passaram a existir nas telas. Deixaram de ter cheiro e páginas de papel. Hoje, os computadores guardam bibliotecas imensas. Ontem, o cheiro de pessoas que riam e choravam nos cercavam.  Agora, os sentimentos são expressos através de palavras cortadas. Enfim, o hoje é diferente do ontem. Será pior? Ou melhor? Não sei, sinceramente. Se bem que a saudade pode ser diminuída quando falamos pelas câmeras dos computadores e telefones. Se bem que nos tornamos escritores desde cedo porque escrevemos ao invés de falar. Mas não guardamos mais na lembrança as vozes das pessoas.  

O tempo faz a gente ficar de outro modo. Os livros, quando escritos sobre os tempos atuais, contam histórias que mergulham num universo não real; o virtual se transformou num mundo de verdade. E o real, num local pouco conhecido.

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Tereza Malcher

Tereza Cristina Malcher Campitelli

Momentos Literários

Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

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