Colunas
Para não vagabundear e assaltar a geladeira
Depois de todos os problemas resolvidos, durante uma tarde livre, aquela que oferece um pouco de tempo ocioso, é precioso para a leitura. Ler com prazer, sem aquela agonia de não deixar que caiam as coisas penduradas na agenda. Um tempo para degustar as passagens de uma história, quiçá entremeá-la com outras, o que depende da personalidade do leitor. Quer dizer, daquele que está por ora desavisado do mundo, um tanto desligado das responsabilidades e pronto para degustar um texto, seja ficcional ou não. Ao invés de ficar vagabundeando pela casa, assaltando a geladeira, vagando pela internet ou vulgarizando esse raro momento, buscar uma leitura que nutra a mente e preencha os espaços vazios do tempo com boas ideias possa ser uma opção inteligente. Ah, a leitura desencadeia pensamentos no leitor que o beneficiam de alguma forma.
Num destes dias em que me senti destemida ante ao pouco fazer, encontrei dois livros. Ou eles me encontraram, acredito que isso seja possível de acontecer. Dois livros de contos. Um de Machado de Assis e outro dos irmãos ingleses Charles e Mary Lamb, ávidos leitores de Shakespeare, que adaptaram as peças do dramaturgo para o estilo conto no século XVIII. Que delícia foi tomá-los nas mãos e deixar-me ser tocada por eles. Ir de um a outro, mergulhar em textos clássicos e pousar em construções literárias de essências, tempos e culturas diferentes. É como se eu tivesse em sala de aula diante de mestres capazes de mostrar a natureza humana em suas belezas e mazelas. Não foi um tempo de ociosidade, mas de aprendizado, quando os textos me puseram em contato com a ideia de segunda chance. Tanto Machado de Assis e Shakespeare, nas palavras de Mary e Charles Lamb, abordaram de formas distintas esta possibilidade que o destino sutilmente nos oferece e tanto nos passa despercebida.
O leitor, mesmo mergulhado no texto, encontra-se distanciado dos personagens, podendo criticá-los, comparar as circunstâncias da história com as reais. Rever-se. Engraçado que estamos tão acostumados a viver com o piloto automático ligado e com o pé no acelerador que não paramos para pensar em questões sérias da vida. Aliás, não é raro passarmos em velocidade por estas circunstâncias que nos dão a oportunidade de refazermos a nós mesmos e mudarmos o rumo do destino pelo qual somos responsáveis. Às vezes, são raras e podem ser para sempre perdidas. Nem sempre a vida sempre é geradora da possibilidade de uma outra vez.
Esta tarde me valeu sessões de terapia e umas gramas a menos na balança de pesar.
Tereza Cristina Malcher Campitelli
Momentos Literários
Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.
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