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Onde está a azeitona da empada?
A inteireza do texto, especialmente com relação à crônica, é uma questão
a ser pensada com cuidado. A busca por uma leitura diária é motivada por
razões diversas, entretanto uma razão é inquestionável: a necessidade de
melhor compreender os fatos do aqui e agora. A crônica é muito lida,
possivelmente porque é publicada diariamente nos jornais, revistas e páginas
da internet, bem como por ser estilo literário que expõe questões quotidianas
instigantes. Todos nós estamos implicados no universo diário, que pode ser
abordado com riqueza de detalhes e a partir de diversos pontos de vista.
Ah, os fatos sempre nos levam no balanço do acontecer, como as ondas
do mar.
O colunista político, jornalista e escritor americano, Willian Safire (1929 –
2009), num esforço para orientar o leitor à leitura de crônicas políticas, alertou
que os colunistas costumam colocar os argumentos mais importantes no meio
do texto; “a azeitona está sempre escondida no meio da empada” (Jornal O
Globo, 14 de agosto de 2018). Então, sugere que se comece a lê-la a partir da
metade do texto.
Seu argumento me motivou a fazer uma reflexão sobre o processo de
produção textual deste estilo literário. Inicialmente, há sempre uma
apresentação e um desencadeamento de ideias, o que favorece o
desenvolvimento de um assunto e facilita o raciocínio do escritor e do próprio
leitor.
O cronista não deve se furtar de fazer revelações ao longo da crônica, de
causar impacto para provocar uma reação reflexiva no leitor. Seu final, quer
dizer, as últimas linhas, é o momento da festa de gala. E, aí, destaca-se uma
questão relevante: a qualidade da crônica depende da pesquisa. Inclusive, o
hábito de ler estilos literários diversos, como o romance, a pesquisa histórica
ou a biografia, ampliam o conhecimento e a capacidade de compreensão os
fatos reais, possibilitando o escritor a aventurar-se com vivacidade e soltura
nos campos da crítica. Assim, não posso afirmar que a idade mais avançada
seja condição de se conquistar a qualidade de produção textual. Como um
pianista, o escritor precisa ler, pesquisar e escrever. Ser disciplinado e
determinado para, a cada texto, garimpar o seu melhor rubi.
Depois do texto pronto, é possível inverter a ordem da argumentação,
desde que haja um trabalho criterioso e cuidadoso de reorganização da
estrutura do texto.
A crônica é um texto nada, nada arrogante. Talvez, seja o mais sedutor e
perturbador porque toca imediatamente do leitor em seu quotidiano. Seja
esportiva ou política, expõe ideias, muitas vezes inéditas. Os vazios do texto,
aqueles em que o leitor para, olha para cima e pensa são os momentos mais
contundentes da leitura. Sim, a crônica tem a finalidade de cutucar. Não causa
apenas devaneios, pretende ir mais além das nuvens que andam desavisadas
pelo céu, nas tardes em que é possível degustar o prazer, tal qual a belíssima
crônica de Rubem Braga, “As vagabundas nuvens de Ipanema”.
Então, o cronista vai fundo em qualquer tema, fazendo a filosofia surgir
sorrateiramente, tornando o leitor livre para refletir e solto para buscar leituras
complementares. Qualquer abordagem tem a seriedade do último julgamento.
E sempre: tem que ser a melhor de todas.
Por falar nisso, onde eu meti a azeitona nesta empada?
Tereza Cristina Malcher Campitelli
Momentos Literários
Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.
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