O poeta do céu

segunda-feira, 10 de junho de 2019

A arte literária se justifica pela fusão do escritor com sua obra através de
uma particular intimidade: a obra revela a essência do autor e da sua história
de vida na medida em que o autor estende seu corpo, mente e espírito para as
palavras empregadas em cada produção literária. Seus braços crescem. O
ineditismo da obra está relacionado com a motivação intrínseca do escritor em
construí-la.


O leitor está num camarote privilegiado e sente a presença do escritor
durante a leitura. Os personagens o revelam com sutileza, bem como a
construção do texto tem a ver com o seu modo de estar no mundo.
Estou sobrevoando mais uma vez a vida e a obra de Saint-Exupéry. Aos
poucos vou constatando que o O Pequeno Príncipe é a síntese da sua
experiência e do seu pensamento. Apaixonado pela aviação, desde os 12
anos, escrevia poemas sobre as máquinas de voar, aos 21 anos inicia o
Serviço Militar no 2º. Regimento de aviação de Estrasburgo. Aos 28 anos
publica o livro Correio do Sul, escrito sobre o sol dos desertos africanos, e
entra no universo literário, tornando-se um dos grandes pensadores do século
passado, autor de um dos livros mais vendidos e traduzidos no mundo. Com
exceção dos O Pequeno Príncipe e Cidadela, os demais são memórias em que
relata suas vivências como piloto e soldado de guerra. As areias do deserto, a
serpente, os carneiros, a flor e os vulcões foram inspirados no tempo em que
pilotava aeronaves na Espanha, na América do Sul e na África. Suas narrativas
são entremeadas com reflexões profundas sobre a existência humana.
Ah, como as estrelas o faziam refletir sobre a condição de homem. “O
mais maravilhoso, porém, é que houvesse ali, de pé, sobre dorso curvo do
planeta, entre aquele branco lençol imantado e as estrelas, uma consciência de
homem na qual aquela curva pudesse se refletir como em um espelho. Sobre
uma base de minérios um sonho é milagre. E eu me lembrei de um sonho...”
(Terra dos Homens).


O Pequeno Príncipe surgiu no imaginário de Saint-Exupéry, certamente
decorrente da pane que seu avião sofreu no deserto. “Meditava sobre a minha

condição, perdido e ameaçado, nu, entre a areia e as estrelas, afastado por um
longo silêncio dos polos da minha vida. Sabia que teria que gastar, para voltar
às minhas terras, dias semanas, meses, se nenhum avião me encontrasse, se
os mouros não me massacrassem no dia seguinte. Não possuía mais nada no
mundo. Era apenas um mortal perdido entre a areia e as estrelas, consciente
da única doçura de respirar... (terra dos Homens)

O Pequeno Príncipe é uma obra metafórica, rica de significados.
Caracteriza-se pelo fantástico, uma vez que é uma obra de ficção; o enredo foi
elaborado na fantasia do Poeta do Céu. Mesmo sendo fruto do imaginário, não
há quem não se toque ou se identifique com passagens do texto.
É preciso lê-lo com os olhos da alma para senti-lo com plenitude. A frase
“O essencial é invisível aos olhos” não pode ser lida de qualquer modo.

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Tereza Malcher

Tereza Cristina Malcher Campitelli

Momentos Literários

Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

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