Colunas
O olhar da Brisa
Quando eu vi pela primeira vez o livro Brisa, escrito por Ania Kítyla Gevezier, na Feira Cultural de Nova Friburgo, não consegui desviar olhar da capa em que trazia um rosto canino aflito sob pingos de chuva; apenas a expressão de Brisa me cotava a história. A imagem me fez relembrar aqueles dias de janeiro de 2011, quando ilhada no lugar onde moro, sem luz, telefone e sem saber ao certo do que estava acontecendo, escutava o helicóptero indo e voltando repetitivamente, tentando pousar. Talvez o olhar da cadela fosse semelhante aos que vi nos olhos das pessoas na época. Talvez entendesse a agonia do animal que nada podia fazer ante a força da natureza. Talvez porque abracei minha cachorra durante toda a noite que, assustada, corria pela casa com o barulho dos trovões e os clarões dos raios
Um mês depois da Feira, participei de um emocionante debate com a escritora sobre Brisa; todos nós, ali presentes, vivenciamos, cada um ao seu modo, o terrível momento e sentimos na alma a devastação que a tempestade causou. E foi concluído por todos que escrever o livro foi um trabalho corajoso e de uma grande perspicácia ao de abordar a tragédia de 2011 num romance, quase um documentário, em que através de quatro personagens, um deles uma cadela, Ania relatou o que aconteceu naqueles dias de tempestade.
Cheguei em casa, levei o livro para a cama e comecei a ler. O relógio batia, adentrando a madrugada, e não eu conseguia parar. Acabei de lê-lo impactada. Ah, a cadela Brisa... Se a tragédia foi terrível para os humanos, foi pior para os animais. Certa vez, fui numa feira de adoção de cães sobreviventes e o olhar deles me foi tristemente marcante. Os cães não falam, mas seus olhos dizem tudo.
Ania escreveu o livro para entender o que aconteceu e extravasar seu espanto. Escrever é uma terapia, uma vez que conseguimos externar, ou seja, colocar no papel uma realidade que temos dificuldade em lidar ou tocar; a natureza é capaz de mostrar a sua força. O que aconteceu na região serrana nos foi assim. Somos frágeis.
A tragédia, por mais dolorosa que seja, mostra valores e horizontes. O povo friburguense teve a possibilidade de entrar em contato com sua fibra. Dias depois da tempestade, a cidade se reerguia com tristeza. Aprendi com este modo de reagir, principalmente porque nas ruas não escutei lamentações, vi em muitas pessoas os olhos da Brisa. A partir de então, passei a admirar ainda mais esta gente que considero minha, apesar de não ter nascido aqui. Minha terra, minha gente!, é o sentimento que tenho ao acordar, ao andar pelas ruas e ao escrever esta crônica.
Tereza Cristina Malcher Campitelli
Momentos Literários
Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.
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