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O entrelaçamento do Rock in Rio e da literatura
A literatura tem uma modernidade exuberante porque é a vida contada, recriada e comentada. Rapidamente, consegue nos colocar contra a parede e lançar por terra alguns conceitos que conservamos como verdadeiros.
No Rock in Rio de 2019, como em todos os outros, milhares de pessoas de culturas diversas, idades múltiplas e gostos diferenciados se põem de pé diante de um palco para curtir a música produzida por teclados, guitarras, baterias e ouros instrumentos. Neste sábado de setembro, debaixo de chuva e sob o som intenso, todos assistem ao espetáculo cantando, dançando e batendo palmas. Com animação, recitam, através das melodias, as poesias contidas nas letras das músicas.
No palco, tudo se mistura: cores, música, fumaça, cantores e letras. Em cada apresentação, a música retrata uma realidade, através de críticas aos modos de viver, da expressão de afetos, de exaltações contra as relações sociais, dos cuidados com a natureza do planeta. Todas as letras, cada uma de maneira peculiar, constroem possibilidades e indicam alternativas.
O rock é um estilo musical que surgiu no início da década de 50 nos Estados Unidos, que misturou estilos musicais, como o country, gospel, rhythm and blues (r&b). O Rock in Rio é um festival de música, criado por Roberto Medina, em 1985, um dos maiores eventos musicais do mundo. Apesar do ritmo esfuziante, suas letras transmitem mensagens significativas, muitas vezes despercebidas e abafadas.
Na minha sala, sem o desconforto da chuva, fui assistindo as apresentações, até que os Titãs se apresentaram, e Sérgio Britto cantou a música Epitácio, que mais uma vez me encantou e tocou minha alma. No meu entender, sua letra é uma ode ao viver; é tocante e inesquecível. Seus versos, apesar de serem lamentos, são alertas aos que não conseguem encontrar plenitude na vida. É uma poesia humanizadora.
O poema Instantes, atribuído ao escritor, ensaísta e poeta argentino Jorge Luis Borges, muito embora a autoria do poema tem sido questionada. Esta poesia contém uma mensagem semelhante a Epitáfio, e pode ter sido fonte de inspiração da música cantada por Sérgio Britto. Enfim, a mensagem é contundente, cutuca-nos dos pés à cabeça.
Depois de escutar Epitáfio, a apresentação do Rock in Rio passou a segundo plano, e pensei se minha vida faz jus à recitação de Epitáfio e de Instantes.
Que sessão de terapia!
Epitáfio
Devia ter amado mais
Ter chorado mais
Ter visto o sol nascer
Devia ter arriscado mais
E até errado mais
Ter feito o que eu queria fazer
Queria ter aceitado
As pessoas como elas são
Cada um sabe a alegria
E a dor que traz no coração
O acaso vai me proteger
Enquanto eu andar distraído
O acaso vai me proteger
Enquanto eu andar
Devia ter complicado menos
Trabalhado menos
Ter visto o sol se por
Devia ter me importado menos
Com problemas pequenos
Ter morrido de amor
Queria ter aceitado
A vida como ela é
A cada um cabe alegrias
E a tristeza que vier
O acaso vai me proteger
Enquanto eu andar distraído
O acaso vai me proteger
Enquanto eu andar
Devia ter complicado menos
Trabalhado menos
Ter visto o sol se pôr
Tereza Cristina Malcher Campitelli
Momentos Literários
Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.
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