Maria, Madalena e nós, as catadoras de pérolas

segunda-feira, 24 de setembro de 2018

Tão logo adentrei a sala, vi um embrulho com o selo dos correios. Com curiosidade, abri o pacote e coloquei em meus braços o livro, “Maria Madalena: o evangelho segundo Maria, lançado em 2018, pela Geração Editorial, cujo autor é Armando Avena, um primo, que mergulhou com delicadeza e profundidade na alma feminina através de Maria e de Maria Madalena, figuras religiosas que trazem em suas trajetórias literárias a essência da mulher.

Armandinho foi corajoso em escrever a respeito de um tema tão instigante, emocionante e audacioso, pensei.   

Mergulhada no sofá, comecei a ler, ingerindo as ideias, degustando a mulher delineada em suas claras e suaves palavras. A narrativa foi, a cada página, tocando meu ego humano e feminino. A leitura me remeteu ao Genesis, que já tinha lido com olhos de escritora, cujo texto não me pareceu não distinguir a mulher do homem. Pelo contrário, sendo criada a partir de uma costela de Adão, Eva constitui-se como companheira, tendo o sentido de completude em sua essência. Ambos se tornam parceiros no Jardim do Éden, duas forças opostas, pelas suas diferenças, e complementares, pelas suas incompletudes.

Na China Milenar, especialmente no oráculo I Ching, cujo texto também pode ser tomado pelo caráter literário, e que se supõe ser o primeiro livro editado no planeta, eles foram descritos como o Yin e o Yang, o masculino e o feminino; sempre em processo de mutação, aproximação e encontro, emergindo no instante único entre o passado e o futuro, coexistindo com divergências, tendendo à derrota, com vitórias ocasionais. Sempre fazendo vínculos e reencontrando os ecos do tempo, criando e construindo linguagens.

A literatura acompanhou a trajetória feminina ao longo de milênios. Esta criatura sensível, criativa e sensitiva foi se aprimorando como uma catadora de pérolas, passando por transformações históricas e culturais, que fez com que sua força e inteligência se tornassem invisíveis, tal qual a intuitiva Penélope, que passou dez anos em Ítaca, tecendo, a espera do retorno de Ulisses. Não muito diferente foi a perspicaz Sherazade. Ou como a sedutora Sita, da lenda indiana Cabeças Trocadas, de Thomas Mann.

Hoje, a mulher continua a ser retratada pela literatura através de um número incontável de personagens, sempre reconfigurada em cada obra. São criaturas fictícias que influenciam a vida de viventes pelas características irresistíveis e fascinantes que possuem. São como entidades que ganham estado de existência, superando até a do próprio autor. Ah, Capitu, Macabea e Emília saíram personificadas das páginas dos livros!

Todas, entretanto, trazem a essência da mulher da literatura clássica. Mesmo com todas as transformações da modernidade, a mulher nunca deixou de trazer um útero em seu ventre, um terceiro olhar entre seus olhos e de ter um clitóris em sua anatomia, único órgão do ser humano que tem a função de dar prazer. Maria e Maria Madalena sabiam disso, mais do que a bela da tarde.

Para findar, todas as personagens marcantes possuem largos bolsos em que guardam pérolas.  

 

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Tereza Malcher

Tereza Cristina Malcher Campitelli

Momentos Literários

Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

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