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Machado de Assis e Nova Friburgo, a cidade da liberdade
Foi emocionante a cerimônia de premiação do 3º. Concurso Nacional Júlio Salusse em que foram premiados autores de textos em prosa e poesia sobre Machado de Assis. O momento nos fez lembrar que Nova Friburgo sempre acolheu artistas, principalmente os da literatura. A nossa cidade, situada num dos pontos mais altos da Mata Atlântica, é, realmente, uma parada a caminho do céu, como descreveu poeticamente JG de Araújo Jorge, outro acolhido por este lugar aos pés do Caledônia.
Assim, Machado de Assis, entre o céu e a terra e ao respirar os ares das nossas montanhas, sentiu-se livre para criar Memórias Póstumas de Brás Cubas, sua carta de alforria. Para escrevê-lo em todas as palavras, livre de opiniões, vizinhos e plateia, penso, precisou estar além da morte, nem que fosse nas trilhas da ficção, para soltar-se e tocar na vida através de um romance moderno.
Ah, Friburgo, a cidade que se chama liberdade, fez com que Assis começasse a conversar com o leitor. Um leitor vivo que, sentado confortavelmente ao lado das páginas escritas, pudesse escutar confissões póstumas de um tal Brás e ser abraçado com metáforas. É como se Machado se devassasse sobre tudo e todos e conquistasse o direito de invadir novas formas literárias para expressar seu espanto ante a humanidade. Ou desumanidade, para melhor dizer. Ele precisou sair do grande centro urbano, o Rio de Janeiro, para deixar suas ideias jorrarem sobre o papel. Livres.
Machado de Assis foi um observador; quis entender o homem. Somos desnudos e nossos pensamentos são livres; não usam sapatos. Somos entregues à vida; jogados sem pudor ao destino e prestes a morrer! Mas, apesar disso, tudo é poesia. Somos a metáfora de todos os poemas.
Talvez estivesse, nosso escritor, querendo aliviar sua melancolia ante o viver. A escrita liberta; Friburgo também. O céu azul forte, a chuva intensa, o nevoeiro cinzento. Tudo corroborou para que ele se encarnasse num morto e falasse das injustiças. Será que é por isso que temos esperanças? Como a moribunda que queria ir à Lisboa descansar um pouco.
Tudo é ironia. Talvez, por isso, Machado falasse de coisas sérias brincando, fazendo a literatura gingar para driblar a franqueza que emerge das situações, como quem, em sua época, morria numa viagem de navio e tinha o corpo lançado ao mar. Ora, ora, os olhos de um morto encaram melhor a sinceridade do que os de um vivo que precisam fazer cerimônias de desenlaces.
Enquanto os poemas buscam a perfeição, a vida é imperfeita; tem impostura. Encaramos o futuro, mesmo que seja o minuto seguinte, como um tempo promissor. O futuro tem eternidade. Mas nós, ah, nós fingimos que a guardamos nos bolsos como um desafio à efemeridade.
Sempre queremos um minuto a mais para viver somente, mesmo sabendo que a vida é feita de retalhos, quiçá de trapos remendados que escondem mediocridades e hipocrisias. A morte sempre nos liberta das costuras que fazemos por aí e que nos enfeitam de lantejoulas. Entretanto, viver é preciso; não é à toa que restauramos o passado e recuperamos impressões. Damos vaidade aos nossos afetos e ideias aos nossos passos, fazendo cada momento da vida ser uma estação.
Enfim. Enfim. Cada capítulo de Memórias Póstumas nos oferece conteúdo para desenvolvermos uma dissertação. Um ensaio, para ser mais exata. É um livro que não nos deixa a dúvida: todos nós temos o direito à morte!
Sorte nossa. Imaginem se fôssemos eternos. Arc...
Tereza Cristina Malcher Campitelli
Momentos Literários
Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.
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