Colunas
Luas de seda
Geralmente escrevo as colunas aos domingos. Talvez seja um erro deixá-las para a última hora. Um hábito? Quem sabe precise de um tempo para cozinhar em fogo brando as ideias quando estão ainda cruas por dentro. Não é fácil tecê-las. Ah, nunca vêm prontas, nem surgem num instante mágico. Domingo, confesso, é aquele dia em que todos têm um pouco de preguiça e um apetite aguçado, seduzido por um cardápio mais elaborado. É o dia que guarda a horinha de sono esticado, às vezes, letárgico. Dizem, os entendidos em criatividade, que o ócio é um bom negócio para atrair interessantes ideias. Por isso ou por alguma outra desconhecida razão, acabo escrevendo a coluna aos domingos. E sempre nesta hora. Cinco. Hora morna, sem cheiro e cor. Momento de marmota. Depois de uma espreguiçada nos dedos, de ligar o computador, a coluna da semana começa a existir. A nascer, para melhor dizer. Nasce de um parto sofrido. Paulo Freire sabe disso. Shakespeare também. Porém, o maior conhecedor deste assunto é Fernando, o meu inseparável amigo Pessoa, que me faz sentir como uma pastora amorosa que perdeu o seu cajado e se põe a pensar no alto da colina. Ou como a loba que precisa reunir seus filhotes e colocá-los na posição certa para amamentá-los. Nenhuma escritora consegue tocar sua flauta quando pouco sabe onde encontrar as palavras certas para construir seus textos. Todo este tempo é assim. Das cinco às seis. Eu me deparo com todas as minhas verdades e não tenho vontade de escrevê-las. Não gosto de praguejar contra meus hiatos. Escrever esta coluna me faz ver, no mundo, as pontas de tantos quadrados. Escrevo para saber quem sou e o que quero dos quadrados que o mundo me oferece. Escrevo vendo, de longe, as luas de seda que passaram por mim, algumas com tamanha velocidade que nem, ao menos, pude admirá-las ou guardá-las. Escrever esta coluna não é distração, nem brisa fresca de final da tarde. É pensar. Pensar. E pensar. Em mim e em torno de mim só há pensamentos encontrados e desencontrados; não há silêncios. Tudo é uma mistura de amor com razão. Se não fosse o René com a ideia de “penso, logo existo” a me impulsionar, na frente do computador não veria realidades olhando para mim com a força das árvores altas, cujos galhos acolhem ninhos de perdizes. Por não gostar de ser só, tenho carinho pelos meus leitores que me fazem presença com seus olhos apressados para sobrevoarem as palavras que escrevo. Minhas palavras, enquanto estão no âmbito dos pensamentos, são opacas. Entretanto, quando escritas, ganham o brilho das luas de seda. As palavras ao saírem das minhas mãos, me libertam e abrem meus pulmões através de gritos longos e profundos. Cada coluna, para mim, é um campo de lírios. Uma realidade toda. Um luar de seda.
P.S. Esta coluna foi um exercício de escrita em que dei às ideias a liberdade de se encadearem. Por isso, construí-a em um único parágrafo. Não parei para pensar no melhor que poderia dizer. Só fiz a correção depois. E foram várias.
P.S.: Luas de seda são os belos momentos que a vida nos oferece.
Tereza Cristina Malcher Campitelli
Momentos Literários
Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.
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