Colunas
A literatura não é fake news
Oh! Meu espanto é imenso.
Eis, então, que as poderosas forças do planeta estão nas palavras. Se estamos sobrevivendo na velocidade do trem-bala, ora, não temos dúvida de que as informações nos cercam e fazem a vida rodopiar dias afora. Mais ainda quando temos um celular nas mãos. Os momentos são como planos de dados para o futuro, não há como desacelerar. Além do que o alheio e o pessoal estão cada vez mais próximos, assim como os processos de construção da identidade se misturam com a coletividade indiferente.
O quotidiano é marcado pela urgência e pela irreversibilidade; nada será como antes, como bem canta Lulu Santos. O tempo não retorna, da mesma maneira que a cadeia numérica tem sequência infinita. Entretanto, os livros nas estantes de uma biblioteca, como os clássicos, permanecem vivos. Perenes. Será porque são feitos de palavras cuidadas e ideias sábias? Será uma estante de livros um oásis num presente descuidado, tolo e superficial?
E, aí está uma grande dicotomia dos tempos atuais: a literatura não é, como seu leitor, requerente de rapidez. Pelo contrário, pede calma. Paz. Solicita a degustação serena das suas frases. É universalmente prazerosa.
É quase impossível recusar o que a mídia, através das palavras, incessantemente e tropegamente, nos traz, instante a instante. É impensável viver sem estar ligado nos meios de comunicação, virtuais e não virtuais. Mas é possível negar a vontade de sentar num canto confortável e se deixar embevecer por uma leitura, permitindo que as ideias, aquelas que alimentam a alma, penetrarem pelos nossos olhos e nos façam pessoas melhores. Estamos quase robotizados, dominados por palavras inescrupulosas. Ah, “Tu és”, descrito e analisado por Lacan, grita-nos o tempo todo, chama-nos. Indetermina-nos. Não estamos no fim do túnel, mas num túnel sem fim.
Neste momento, tão sem rumo, as palavras perdem a verdade, enquanto seu valor maior, e são substituídas pelas falácias, constituídas por informações fabricadas. A interpretação da realidade concreta está etérea e astuta; tão escrava de interesses particulares. Ah, estamos perdemos nossas certezas.
Apesar do romance e do conto se utilizarem da ficção, cujos fatos são imaginados, são, com certeza, mais reais do que a narração e descrição dos fatos concretos. A literatura, se fantasiosa, é de conhecimento de todos. Ou seja, objetivamente, sabemos que a literatura é inventada.
O leitor pode usar e reusar a literatura para aprofundar seu modo de ser. Mas este mesmo leitor, sujeito e sujeitado, está com dificuldades em vivenciar a realidade para descobrir-se e tornar-se único.
Corremos o risco de não nos importarmos em sermos mais uma mentira.
P.S.: Mais uma vez reafirmo e grito: a literatura salva, resgata e acolhe.
Tereza Cristina Malcher Campitelli
Momentos Literários
Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.
A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.
Deixe o seu comentário