A Flinf e Camões: algumas ideias cruzadas

sexta-feira, 03 de novembro de 2017

Eu não estava na FLINF (Festa Literária de Nova Friburgo – 2017), mas a acompanhei de longe numa certa posição privilegiada. Estava em Portugal, a terra que gerou escritores de respeito, como o Príncipe dos Poetas, o nosso Luís Vaz de Camões. Digo nosso porque ele faz parte da literatura universal. Somos do mesmo planeta. Somos conterrâneos.

Enquanto acompanhava as múltiplas atividades da FLINF pela internet, lia a vida do nosso Príncipe. Aos poucos, fui percebendo que tanto ele como a cidade de Nova Friburgo foram sobreviventes de tragédias.  Inclusive, esta semana, a superação de Nova Friburgo foi comentada por Zuenir Ventura, em sua coluna no jornal O Globo.

Ao ler a biografia de Camões, senti explodir em mim a constatação de que a literatura salva. Sua poesia o resgatou de um amor impossível, das tantas batalhas das quais participou bravamente como militar, do terrível naufrágio quando ele protegeu seus escritos das águas salgadas de um mar revolto, da perda de um olho numa briga num de seus combates. Ao longo da vida, ele resguardou e cultivou sua essência literária e, assim, poetou, ao longo de anos, seus infortúnios; as misérias humanas que o feriram mais do que facadas no peito. As tristezas reveladas de palavra a palavra nos versos decassílabos dos Lusíadas, umedecidas por lágrimas, descreveram a história de Portugal de sua época.

Quase quinhentos anos depois, surge a FLINF. Uma festa literária que foi gestada por friburguenses, tal qual a Mata Atlântica que nasceu na Serra do Mar. Ao emergir neste solo marcado pela tragédia, seu povo buscou na beleza e no poder das palavras a esperança de novamente ser um lugar grande e promissor.

Nesta sua segunda edição que homenageou com a criatividade dos escritores da região e com a gentileza de leitores que encontram nos livros momentos de prazer e reflexão, a escritora Marina Colassanti, também sobrevivente de guerra. Em sua obra autobiográfica, Minha Guerra Alheia, ed. Record, revela fatos da segunda grande guerra que marcaram sua infância.

O sofrimento decorrente de catástrofes humanas e naturais gera uma vontade de continuar a viver quase sobrenatural. Aí, a inspiração nasce como os lírios que brotam na pedra. Tanto para Friburgo, como para Camões e, até mesmo para Marina, a literatura foi nascendo como forma de resgatar o que lhes foi imputado. Seja no dia seguinte ou nos momentos posteriores, a dor foi transformada em beleza pelas palavras brancas e coloridas, como flâmulas de paz.

 

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Tereza Malcher

Tereza Cristina Malcher Campitelli

Momentos Literários

Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

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