Colunas
Escrevemos diário sobre folhas de bananeira
No Clube de Leitura desta semana, falamos a respeito do diário e do seu valor na vida da gente. Diário não é só coisa de adolescente, em que pode haver um beijo de batom para descrever aquele que aconteceu no cinema e de um bilhete escrito num guardanapo de papel colado no centro da página. Diário é um caderno de sempre. Quando preenchemos suas páginas com nossos registros diários, pensamos no que vivemos e não deixamos passar as minúcias e levezas despercebidas. Ah, o que é grande não esquecemos, mas as pequenas coisas que são, na verdade, tão ou mais importantes, nos ficam invisíveis com o tempo, como a poeira nos raios de sol. Por que naquele dia usei calça branca? Agora escrevendo, descobri que queria ter um dia de asas de albatroz. E tive. Inclusive pela riqueza com que o Clube de Leitura me presenteou: o encontro entre as pessoas amigas, as conversas, as reflexões e as mudanças que causou em cada um de nós.
Na vida atual, não temos tempo para escrever diários! Ah... temos tempo para o Facebook, WathsApp, e-mail, mas não o temos para escrever sobre nós. Para ir a fundo em tantos e diversos momentos, como ir para frente do armário e escolher uma calça branca, mesmo sabendo que a roupa branca no dia comum fica suja com facilidade.
Deixar de escrevê-los é desconhecermos. Não somos os mesmo de um tempo para outro. Hoje, tudo é tão dinâmico que não podemos ficar sentados à beira do rio vendo as águas passarem; sempre pegamos carona em alguma folha de bananeira e vamos rio afora, passando por novas corredeiras, piscinas de águas claras e quedas d’água para, em algum momento, nos banharmos em mares, quiçá oceanos.
Expressar palavras através do escrever é diferente do falar. As palavras que saem das nossas mãos têm energia forte, quase mágica; dizem tudo. Mesmo as escritas através do computador, são resultados desses movimentos pessoais, totalmente únicos. O diário revela a pureza dos sentimentos, a essência de nós, a falta que nos faz desejar e conquistar.
Tantos diários foram divulgados no século passado, como o Diário de Anne Frank e Diários de Motocicleta, que contaram vidas que tocaram o mundo.
Os diários, se guardados e quando abertos, nos fazem visitar tempos passados e reviver, com outros olhos e sentidos, momentos que nos definiram como somos. Nele estão as marcas que fizemos no nosso caminhar. Como é importante vê-las para nos conhecermos melhor e compreendermos nossos medos e gostos que levamos por toda a vida. Tenho prazer em fazer minha cama de manhã, deixando o lençol esticado porque me lembro do vovô jogando uma moeda e vendo-a quicar sobre o lençol que assim estava colocado.
As marcas são como crustáceos que grudam na pedra e fazem desenhos especiais. As salas mais bonitas são aquelas enfeitadas por quadros, não necessariamente os coloridos. Os em preto e cinza são colocados em lugares de destaque e dão um toque especial à decoração.
Além de ser um bom exercício de escrita, o diário nos permite escrever com liberdade e sem censuras porque nós somos o principal e provavelmente o único leitor. Escrever assim abre as portas do inconsciente e, assim, podemos ver um pouco melhor a pessoa que somos. Nos revelamos sem o cuidado de nos apresentarmos perfeitos ou alegres demais. Escrevemos nossos desapontamentos e hiatos. E isso é muito saudável.
Tereza Cristina Malcher Campitelli
Momentos Literários
Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.
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