Colunas
Entre a literatura e o teatro, há um encantamento a ser bordado
É na literatura que a arte cênica tem o seu ponto de partida. Eu, particularmente, tenho grande interesse por essa relação uma vez que já adaptei obras para o teatro, Cabeças Trocadas, lenda indiana, reescrita por Thomas Mann; Você me Ama, de Ronald D’Laing; Um Cão Cheio de Ideias, de minha autoria. Posso dizer que é uma relação complexa porque o adaptador deve transpor para o papel em forma de diálogos um texto literário denso.
É uma relação encantadora que seduz, toma conta dos nosso pensamento, olhos e alma. Já ouvi dizer que existe um bichinho sapeca e teimoso que quando morde a gente, não larga mais. É quase uma praga. E, agora, doze anos depois, ele resolveu me morder de novo; o teatro tomou conta de mim e me fez escrever esta coluna. Espero que pare por aí. Mas se não parar, estou frita! No bom sentido, quero dizer. Porque fui muito feliz com minhas peças, em todo o processo, quando escritas e encenadas.
Esse bichinho, que não sei o nome, me mordeu em duas peças que recentemente assisti, uma delas friburguense, “78 Musical” de David Massena, a outra, “60! Década de Arromba”. Talvez tenha me mordido porque são duas obras que abordam épocas que causaram transformações intensas. Para serem escritas, exigiram uma pesquisa profunda da história não somente do Brasil, como do mundo. E, para serem montadas e encenadas, precisaram ser escritas em dramaturgia, um texto essencialmente literário.
A dramaturgia é a interseção entre o texto e a ação. No caso destas duas obras, a história é contada por imagens e música, principalmente a montagem “60! Década de arromba”, o que a princípio pode ser encarada como um facilitador. Ledo engano. Encontrar encantadoras e sedutoras imagens que venham representar um texto composto de palavras e frases tem suas dificuldades. Grandes, para ser sincera.
Aliás, devo dizer que a transposição da palavra para a imagem em movimento, que é o teatro e o cinema, é o fazer de uma arte que somente talentosos artísticas conseguem fazê-la com a suficiente beleza para encantar o público e torná-lo vibrante. As duas montagens são competentes nesse sentido. E faço questão de dar meus aplausos de pé.
Nas obras que adaptei, levei um longo tempo para fazê-lo. Escrevia cada cena e experimentava sua encenação. Muitas vezes, o que escrevia, ficava bem o papel, mas no ato cênico não ficava. É um trabalho bordado. Reconheço com humildade.
Foi bom o bichinho ter me mordido. Assim, recordei bons tempos de uma escrita literária que tem uma praticidade estonteante que os romances e poesias não tem.
Parabéns aos autores e atores!
Tereza Cristina Malcher Campitelli
Momentos Literários
Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.
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